Semelhanças anatómicas e genéticas entre os olhos deste caracol e os humanos têm potencial para o desenvolvimento de novas terapias de recuperação da visão em pessoas com lesões oculares.
Um caracol aquático chamado Aruá consegue regenerar um olho perdido ou com problemas
Alice Accorsi, UC Davis
Um caracol aquático da América do Sul consegue regenerar os olhos em poucas semanas. Investigadores acreditam que esta capacidade pode abrir caminho para novas terapias de recuperação da visão em humanos.
O caracol ampulária (Pomacea canaliculata) regenera totalmente os olhos após lesão ou perda, num processo que dura cerca de um mês.
Um estudo da Universidade da Califórnia Davis mostra que estes órgãos partilham características anatómicas e genéticas com os humanos, o que pode ajudar no desenvolvimento de tratamentos para lesões oculares.
Um modelo para estudar a regeneração ocular
Os olhos humanos são complexos e irreparáveis, mas têm semelhanças estruturais com os do caracol aquático chamado ampulária ou aruá (Pomacea canaliculata), que tem a capacidade de regenerar completamente os olhos, mesmo após amputação.
A investigação liderada por Alice Accorsi, professora assistente de biologia molecular e celular na Universidade da Califórnia Davis, quer aplicar o conhecimento adquirido no caracol ao tratamento de lesões oculares em pessoas.
Num estudo publicado a 6 de agosto na Nature Communications, a equipa mostra que os olhos do caracol e dos humanos partilham muitas características anatómicas e genéticas.
“Os caracóis ampulária são um organismo extraordinário. Oferecem uma oportunidade única para estudar a regeneração de órgãos sensoriais complexos. Até agora não tínhamos um organismo para estudar a regeneração completa dos olhos”, disse Accorsi em comunicado.
Além disso, os investigadores desenvolveram métodos para editar o genoma do caracol, o que permite explorar os mecanismos genéticos e moleculares responsáveis por esta capacidade.
Um caracol com um ritmo acelerado
Originário da América do Sul, este caracol é, hoje em dia, uma espécie invasora em várias regiões do mundo. Mas, como explica a investigadora, as características que o tornam tão difícil de controlar na natureza – resiliência, ciclo reprodutivo curto e grande número de crias – fazem deles excelente animal de laboratório.
As capacidades regenerativas dos caracóis são conhecidas há séculos: já em 1766 foi descrito que caracóis de jardim decapitados conseguiam regenerar a cabeça. Contudo, esta é a primeira vez que um investigador utiliza essa característica para estudar especificamente a regeneração ocular.
Nature Communications
Olhos como câmaras de alta resolução
Este caracol possui olhos do tipo câmara semelhantes aos dos seres humanos, que produzem imagens de alta resolução e têm uma estrutura que inclui córnea, lente e retina, onde milhões de células fotorrecetoras detetam a luz. Este tipo de olho existe em todos os vertebrados, algumas aranhas, lulas, polvos e certos caracóis.
A equipa utilizou disseção, microscopia e análise genómica para demonstrar que os olhos do caracol ampulária são anatómica e geneticamente semelhantes aos humanos.
“Trabalhámos arduamente para mostrar que muitos genes envolvidos no desenvolvimento do olho humano também estão presentes no caracol. Após a regeneração, a morfologia e a expressão genética do novo olho são praticamente idênticas às do original”, explicou Accorsi.
O processo de regeneração
A regeneração ocular no caracol demora cerca de um mês e ocorre em várias fases: primeiro, a ferida cicatriza para evitar infeção e perda de fluidos, o que demora 24 horas; depois, células não especializadas migram e proliferam na zona, especializando-se ao longo de cerca de 10 dias até formarem as estruturas oculares, incluindo cristalino e retina.
Ao 15.º dia, todas as partes estão presentes, incluindo o nervo ótico, mas continuam a crescer e amadurecer durante várias semanas.
“Ainda não temos provas conclusivas de que conseguem ver imagens, mas anatomicamente possuem todos os componentes necessários. Queremos desenvolver um ensaio comportamental para perceber se processam estímulos com os novos olhos como faziam antes”, disse a investigadora.
O papel dos genes
Além da semelhança estrutural dos olhos humanos e dos caracóis, ambas as espécies utilizam os mesmos genes para formar olhos – precisam do gene PAX6 para desenvolver estes órgão, descobriu Accorsi. Quando a investigadora desativou este gene, os caracóis não regeneraram olhos.
Os caracóis possuem outros genes conhecidos por serem importantes no desenvolvimento do olho humano. O segredo para a regeneração dos olhos está provavelmente nos interruptores moleculares que controlam quando estes genes estão ativos, afirmam os investigadores. É possível que os humanos já possuam os mesmos interruptores e os investigadores apenas precisariam de os ativar no momento e local certos para regenerar os olhos, diz Accorsi. Ou a regeneração pode ser controlada por um ou mais interruptores que os caracóis possuem e os humanos não.
O próximo passo será verificar se o pax6 também intervém na regeneração. Outros genes ligados a estruturas específicas, como a retina e o cristalino, ou à regulação do próprio pax6, também estão a ser estudados.
“Se encontrarmos um conjunto de genes importantes para a regeneração ocular e estes existirem também nos vertebrados, poderemos, em teoria, ativá-los para permitir a regeneração ocular nos humanos”, concluiu Accorsi.