Intrusões de ar quente na Europa proveniente do continente africano têm um impacto muito maior do que o aumento da temperatura do ar. Desencadeiam também ondas de calor marinhas no Mediterrâneo, cuja frequência, duração e intensidade estão a aumentar, nas últimas duas décadas.
Um novo estudo, conduzido por cientistas ligados ao Centro Euromediterrânico para as Alterações Climáticas (em Itália), e publicado esta semana na revista científica Nature Geoscience, analisou centenas de episódios de ondas de calor marinhas no mar Mediterrâneo, usando dados de satélite. Concluiu que na sua origem estão sistemas de alta pressão atmosférica semipermanentes, a que se dá o nome de cristas subtropicais.
Estas cristas subtropicais formam-se frequentemente sobre o oceano, perto dos 30 graus de latitude (Portugal está nos 39 graus, virado para o Atlântico, mas ainda sob influência do clima mediterrânico), em ambos os hemisférios. Influenciam a dinâmica da circulação atmosférica e do clima regional, contribuindo para a formação de padrões climáticos como o El Niño, no Pacífico.
O que os cientistas agora concluíram é que estas cristas subtropicais – também conhecidas como anticiclones africanos – fazem mais do que pôr a temperatura do ar a subir. A sua persistência cria as condições para a formação de ondas de calor marinhas. Podem ser vistas como a faísca para a subida da temperatura das águas, que pode causar grande mortalidade entre os seres vivos.
Em Julho, por exemplo, em 95% do mar Mediterrâneo, a temperatura esteve acima da média para este mês, com uns impressionantes 26,68 graus Celsius. Além do impacto na vida marinha, isto favorece tempestades, inundações, secas e incêndios, tanto na Europa como no Norte de África.
A chave é a persistência
Apesar de serem frequentes, de se formarem mais ou menos a cada dois dias, quando se tornam muito persistentes sobre o Mediterrâneo – durante mais de cinco dias – é quando se criam condições para uma onda de calor marinha. Os ventos abrandam e a água do mar deixa de emitir tanto calor, fazendo subir a temperatura da água à superfície.
O estudo mostrou que 63,3% das ondas marinhas no Mediterrâneo Ocidental, 46,4% no Mediterrâneo Central e 41,3% no Mediterrâneo Oriental ocorrem durante períodos em que se verificam estas cristas subtropicais e também condições de vento muito fraco. Uma conjugação que os cientistas consideram muito significativa, pois estas condições só acontecem ao mesmo tempo em 8,6% a 14,6% dos dias de Verão no Mediterrâneo, diz um comunicado de imprensa.
O trabalho da equipa permite pensar que será possível desenvolver sistemas de alerta precoce para ondas de calor no Mediterrâneo, e também estratégias para reduzir o seu impacto sobre a vida marinha e a economia.
“Estes resultados identificam processos até agora não compreendidos para representar de forma precisa as ondas de calor marinhas no Mediterrâneo. São um passo em frente”, defendeu Ronan McAdam, um dos autores do estudo, citado no comunicado.