Muitas dessas viagens tinham como destino Lisboa e talvez por isso tenha ficado fascinada pela capital desde cedo. Foi por isso que decidiu mudar-se para Lisboa aos 15 anos, uma escolha muito pouco comum para miúdos dessa idade.

Quando chegou o momento de escolher uma área, na passagem para o 10.º ano, havia algo muito claro para Victoria Guerra. “Eu sabia que não queria ir para o liceu de Loulé e lembro-me de achar que não fazia sentido nenhum aquela pressão de ter de escolher um caminho com aquela idade. Também havia muito a pressão dos ‘senhores doutores’ e, apesar de ter um pai advogado, sabia que havia áreas que eu não queria de todo seguir. Mas também não havia nada que me chamasse realmente.”

Viu várias escolas com a mãe e, quando visitaram o liceu de Faro, ouviu alguém dizer que ia viver para Lisboa. Num impulso, também ela soltou: “E se eu fosse para Lisboa”? A resposta expectável seria: “Nem pensar”. A mãe de Victoria disse: “Bora”!

Garante que ajudou o facto de os pais serem “super fixes e malucos”, mas sobretudo a mentalidade diferente da mãe inglesa.

Com o foco virado para Lisboa, começaram então à procura de escolas. Inscreveu-se na EPCI (Escola Profissional de Comunicação e Imagem), em jornalismo. “O curso pareceu-me super interessante mas cativou-me sobretudo o facto de todos os alunos serem novos, vinham de sítios diferentes, ninguém se conhecia, por isso estávamos todos em pé de igualdade.”

Viver sozinha estava fora de questão, por isso optaram por um dormitório de estudantes, com um quarto partilhado, o que a obrigaria também a fazer amigas. “Apesar de eu não ser católica nem batizada, era um colégio de freiras. Acolhia estudantes e também raparigas em situações difíceis. Era um espaço familiar.”

Na primeira semana, o pai não arredou pé, mas ficou hospedado noutro local. No primeiro dia de aulas, Victoria não acordou. “Estava habituada a que me acordassem em casa e claro que tive um ataque de pânico porque foi aí que me caiu a ficha em relação a tudo o que estava a acontecer.”

Em vez de apressá-la a ir para a escola, o pai instalou-se com ela numa esplanada e passaram a manhã toda a conversar. “Nesse dia pensei no que raio estava a fazer à minha vida, mas pesámos os prós e os contras e o meu pai foi incrível. A confiança que tinham em mim ajudou-me muito e, ao mesmo tempo, ele disse: ‘A tua casa vai lá estar, o teu quarto vai lá estar e nós vamos estar sempre lá. No momento em que tu não quiseres isto, voltas para casa sem problema nenhum, mas já que chegaste aqui, experimenta’. Foi um momento de viragem.”

Começou então uma jornada de três anos que acabaria por não se completar devido a uma experiência chamada Morangos com Açúcar. Para o curso de jornalismo tinha de apresentar semanalmente uma peça noticiosa e alguém do grupo dela lembrou-se de aproveitar um enorme casting que estava a decorrer para a série juvenil da TVI e entrevistar as pessoas da fila.

“Foi terrível porque a fila era interminável, havia pessoas a dormir na rua, e os pais queriam bater-nos cada vez que nos aproximávamos.”

Milhares de pessoas rodeavam a Casa do Artista em Lisboa e, quando Victoria e os colegas deram a volta ao edifício, viram um portão aberto. “Soa muito mal dizer isto, mas entrámos e acabaram por nos dar umas pulseiras para o casting. Era daqueles em que tiras uma foto, dizes o teu nome e pouco mais”, recorda.

A aventura não passou disso, mas o telefone tocou uns meses depois e chamaram-na para um novo casting, desta vez com texto. “Eu não tinha experiência nenhuma, mesmo nas aulas de televisão não conseguia olhar para a câmara. Lembro-me de um professor, o jornalista Pedro Pinto, gritar connosco porque éramos incapazes de falar para a câmara.”

O que lhe valeu foi um colega que já tinha feito algumas coisas em televisão e a ajudou na preparação. Encarou o casting como mais uma experiência nova, nunca pensando que seria o início da sua carreira. “Olhando para trás, vejo que foi uma sucessão de ‘estar no sítio certo à hora certa’, mas nessa altura era demasiado ingénua para perceber o que estava a acontecer.”

Tinha 17 anos e, por isso, os pais tiveram de se deslocar a Lisboa para ter reuniões com a produção da série. Começou por gravar a temporada de verão e, quando foi convidada a continuar, percebeu que seria impossível conciliar as gravações com o curso. “Eram 12 horas de gravações por dia, de segunda a sábado, e na altura pedi conselhos aos meus pais. Incentivaram-me a aceitar, podia continuar a estudar mais tarde, e eu estava a gostar desta experiência que me tirava um bocadinho da minha zona de conforto. Congelei a matrícula e continuei na série.”

Com o primeiro ordenado que recebeu fez aquela que era a maior extravagância para uma miúda de 17 anos. “Lembro-me de ir ao [centro comercial] Colombo e de comprar tudo o que me apareceu à frente.”

Porém, sempre foi ponderada quanto às contas. “Lembro-me de ir passar os recibos, que ainda eram em papel, e de ir entregá-los à contabilidade. O meu pai ajudava-me, claro, mas foi um alívio grande para a minha família eu passar a ser independente financeiramente.”

Depois de dois anos e meio no dormitório do colégio de freiras, arrendou uma casa com os colegas de Morangos com Açúcar. “Os horários começaram a ser impraticáveis porque chegava muitas vezes das gravações depois da uma da manhã ou saía antes das sete e as irmãs tinham de acordar para me abrir a porta”, recorda.

O mesmo amigo que a ajudou a preparar o texto para o casting de Morangos com Açúcar inscreveu-a no concurso de modelos Elite Model Look. Mais uma vez, Victoria Guerra disse “bora experimentar”. Chegou à final, mas o mundo da moda nunca a fascinou como a representação.

Os trabalhos sucederam-se. Ainda o percurso nos Morangos com Açúcar não tinha terminado e já Victoria Guerra tinha um convite para fazer uma novela da noite, Fascínios. “Passares para uma novela da noite era uma espécie de transição para o mundo dos adultos. Nessa história, a Marina Mota e o Júlio César interpretavam os meus pais, foi uma escola inacreditável. Aprendi muito com a Marina Mota e acho que, aí sim, foi a primeira vez que percebi a real dimensão deste trabalho. A admiração que tinha por ela criou em mim um bichinho. Também a Alexandra Lencastre e o João Perry foram pessoas que me deram a mão, foram muito importantes para mim nessa fase.”

A mãe, fã número um, guardou tudo sobre a carreira da filha, desde recortes de revistas a CD’s com as cenas das novelas. Quando regressou a Inglaterra para viver — após a morte do marido, em 2014 —, entregou um baú cheio à filha. “Ela era amiga da senhora da papelaria, portanto sabia logo quando saía alguma coisa. Tinha mesmo tudo, é amoroso.”