Vêm para Portugal na esperança de ter uns dias de tranquilidade. Um grupo de jovens ucranianos, entre os 2 e os 16 anos, acompanhados pelas mães chegaram a Lisboa na passada segunda-feira. Este é um projeto que visa ajudar famílias ucranianas e “mostrar que o mundo não é assim tão mau”

Mykhailo tinha um ano quando as tropas russas invadiram o território ucraniano. Sabe que o pai morreu a defender o país. Também sabe que o país está em guerra. Mas não percebe o que realmente se passa. Não tem medo dos tiros, sirenes ou explosões que assolam o país há mais de três anos. Pensa que são fogo de artifício ou trovoada nos dias de chuva. 

Vem de um país em guerra, onde o caos, a desordem e o perigo se tornaram o novo normal para o sétimo país mais seguro do mundo. Foi para lá (para cá) que Mykhailo veio com a mãe, Daria. No mesmo avião vieram mais famílias ucranianas, ou melhor, mais crianças e jovens ucranianos com as suas mães. Os pais, soldados de guerra, perderam a vida. 

Foi entre ramos de flores, bandeiras ucranianas e cartazes a dizer “ЛАСКАВО ПРОСИМО” (“bem-vindos”, em português), que foram recebidos no aeroporto de Lisboa. Assim que foram vistos, automaticamente ecoou repetidas vezes a palavra “Ukrayina”, num coro que pretendia acolhê-los e mostrar que ali estavam seguros. Rostos cansados e pouco expressivos, ainda que algumas mulheres se tenham mostrado emocionadas com o momento. 

Nadia tem dois filhos – Andriy de 13 e Bohdan de 10 anos – e é a primeira vez que sai da Ucrânia. Andriy diz que às vezes consegue estar calmo; outras vezes, por causa dos bombardeamentos, não. Moram numa aldeia perto de Sumy e, numa conversa com a tradução do presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, Nadia diz à CNN Portugal que a guerra mudou a sua vida. Perdeu o marido e tenta agora reorganizar e reconstruir tudo.

Estas mães e os 16 jovens e crianças vêm de Sumy, cidade no norte da Ucrânia que faz fronteira com a cidade russa Kursk, e que tem sido fortemente afetada pelos ataques, nomeadamente depois da ofensiva iniciada por Kiev naquela região da Rússia. Chegaram a Lisboa na segunda-feira, numa viagem que começou dois dias antes, no sábado à noite. Foi na Polónia que apanharam o avião que os trouxe até Portugal. Passavam poucos minutos das 16:00 quando aterraram no aeroporto Humberto Delgado. 

Não andavam de um lado para o outro desorientados – até chegaram bem organizados -, mas é a primeira vez que ali estão. Aliás, é a primeira vez que visitam Portugal e para muitos é a primeira vez que viajam para fora do país.

“Descansar um bocadinho das sirenes, dos bombardeamentos, da guerra”, diz Nadia, que expressa o seu desejo para estes dias. Durante os 10 dias que vão estar em Portugal, esperam poder descansar. Aqui, os mais novos, podem aproveitar em plenitude a vida de criança que lá não lhes é permitida. 

Uma ideia que no início “não era grande”, mas que mais tarde, e com o apoio de outras entidades, cresceu e se tornou possível noutros moldes. “Há seis amigas que pensavam que iam convidar algumas famílias para as suas casas”, conta à CNN Portugal Natáliia Varha, presidente da Associação das Mulheres Ucranianas em Portugal. 

Foi numa reunião dessa mesma associação, “criada para ajudar mulheres e crianças ucranianas e também para ajudar a Ucrânia a vencer esta guerra com a Rússia”, que surgiu a ideia de acolher em Portugal famílias ucranianas cujos pais morreram, “famílias que pagam um preço muito alto” com esta guerra, diz Natáliia Varha. 

Com a ajuda das mulheres que fazem parte desta associação e de outras instituições e organizações, a ideia tornou-se possível. “Nós podemos fazer mais”, foi o que pensaram. 

Daria já percorreu várias cidades desde o início do conflito. De Mariupol foi para Lviv, de Lviv para Sumy e há cerca de seis meses que está em Kiev. “Eu quero muito que o meu filho esteja vivo. Eu procuro uma cidade que não seja perigosa.” Ficou viúva um mês após o início da invasão russa e, desde então, apesar do receio que sente, quer salvar a vida do filho e procura o local mais seguro, mesmo que isso implique mudar de cidade. 

“Acho que já estou habituada ao que está a acontecer. Eu ouço explosões e reajo de forma muito contida para não assustar o meu filho.”

Este projeto, “Crianças dos Heróis aquecidas pelo sol e pelo amor”, promete oferecer dias inesquecíveis a estas mães e crianças. “O maior objetivo é ajudar estas crianças para lhes mostrar que o mundo não é assim tão mau, que há países onde não há guerra, e ajudar a esquecer estes momentos trágicos que vivem na Ucrânia, e viveram, ao perder os familiares mais próximos. Ajudar a que estas crianças tenham uma juventude”, afirma Pavlo Sadokha. 

“Esperemos que consigam descansar e esquecer um bocadinho a guerra. Com esta ação queremos dar o exemplo para outros também o fazerem, para que as crianças da Ucrânia não sofram tanto com esta guerra, que parece que não têm ainda fim”, acrescenta. 

“Por um lado, dá para sentir tristeza porque é uma guerra que não tem fim. Por outro, é uma emoção grande porque vamos receber crianças e mães de soldados falecidos e tentar proporcionar durante duas semanas paz, amor e carinho“, refere Maria João Ramos, que integra a secção de Ação Social da Junta de Freguesia de Benfica, na área de Refugiados e Habitação. 

Sempre com o objetivo de “fazer mais por essas famílias”, como diz Natáliia Varha, este é um projeto que conta com o apoio da Associação de Ucranianos em Portugal, da Embaixada da Ucrânia em Portugal, da Junta de Freguesia de Benfica e de algumas empresas, como a Arquiconsult. 

Dias de praia e piscina, visita ao Oceanário de Lisboa, ao Badoca Safari Park, ao Santuário de Fátima, além de um passeio pela vila histórica de Óbidos, são algumas das atividades programadas para os dias em Portugal.  

Daria sente-se profundamente grata por esta oportunidade. Nadia deseja que possam descansar. Olena e os filhos já tiveram de passar mais de 14 horas escondidos por causa das sirenes e para estes dias diz que quer tranquilidade, descansar e sorrir. No dia 21 deste mês regressam todos para a Ucrânia. Até lá, têm uns dias para aproveitar longe dos bombardeamentos, das sirenes e do caos.