José Azevedo denunciou esta segunda-feira aquilo que considera ser um retrocesso no combate ao doping no pelotão nacional, elogiando o caminho de sucesso que estava a ser construído pela anterior direcção da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), presidida por Delmino Pereira.
Após revelar que a Efapel, equipa que teve em Tiago Antunes (5.º) o português mais bem classificado da 86.ª edição da Volta a Portugal, vai priorizar o calendário internacional na próxima época, por não se rever no ciclismo nacional, o director desportivo da formação laranja insistiu na necessidade de “aplicar os regulamentos” para credibilizar a modalidade.
“E haver consciência e haver ética, e haver fair-play e respeito pelos adversários e por quem investe. E isso foi feito com a direcção anterior. E foi um caminho de sucesso que estava a ser construído. Nesse aspecto, muitas vezes falei com o anterior presidente, com o Delmino, que conheço há muitos anos, e ele sabe que eu sempre fui um dos grandes defensores da implantação do passaporte biológico e um grande defensor da verdade desportiva”, argumentou.
O antigo ciclista recorda que sempre fez, “às vezes em prejuízo próprio”, tudo para que esses valores imperassem na Efapel. “Infelizmente, na minha equipa tive situações de atletas que não estavam neste projecto, mas que tiveram implicações e tiveram de abandonar o ciclismo. São pessoas por quem eu tenho muita estima, porque enquanto estiveram na Efapel tiveram um comportamento exemplar. O que está para trás, não vou julgar. Mas eu tomei as medidas, porque nesta equipa há regras de que eu não abdico. Mas, se calhar, somos os únicos a trabalhar dessa forma”, notou.
Azevedo referia-se a Rafael Silva e João Benta, ex-corredores da formação que foram suspensos devido a anomalias no passaporte biológico.
Retrocesso pós-Delmino
Para José Azevedo, “tudo ia funcionando” durante a presidência de Delmino Pereira, que foi substituído em Novembro por Cândido Barbosa, depois de ter atingido o limite de mandatos.
“Este ano está a haver um retrocesso. A verdade é essa. Não sei o porquê, mas houve um retrocesso. Isso não pode acontecer. Isso volta a ser penalizador. E, claro, faz-nos ponderar tudo e se vale a pena investir no ciclismo português”, destacou.
O director desportivo da Efapel referiu ainda que “a formação está abandonada, os apoios deixaram de existir”. “Havia apoios à formação de parte da federação, que foram cortados este ano”, denunciou.
Azevedo defende que era muito importante conseguir juntar todos os ‘actores’ da modalidade e falar sobre ciclismo. “Mas isso só faz sentido se as pessoas tiverem a capacidade de esquecer que estão à frente de uma equipa”, acrescentou.
“O ciclismo em Portugal é possivelmente a segunda modalidade mais popular. É um desporto que as empresas vêem como excelente veículo publicitário das suas marcas. Mas precisa de ser repensado. E se tiver que deixar ir mais abaixo e construir de novo e, eu sempre disse isto, não há problema nenhum”, sustentou.
Para o director desportivo da Efapel, o ciclismo nacional anda “a puxar a manta, mas deixa sempre algum bocado destapado”. “Andamos quase a enganar-nos uns aos outros. Se tiver de começar de base, que comece. Mas se calhar vamos construir daqui a cinco ou 10 anos um desporto sólido, em que as pessoas acreditam, onde há investimento, onde há salários dignos e onde há capacidade de dar às marcas o retorno a nível da exposição mediática que eles querem. Porque nesta altura a verdade é que não conseguimos fazer isso, porque não conseguimos ter comunicação social”, lamentou.
Efapel repensa futuro
Sobre o futuro, Azevedo assume: “O projecto Efapel foi repensado e, no próximo ano vamos procurar calendário internacional, vamos tentar competir o máximo possível no calendário internacional. Possivelmente não competiremos em Portugal”.
Quatro anos depois da fundação, José Azevedo e o patrocinador sentiram que era altura de dar um rumo diferente à equipa laranja. “Não é uma decisão fácil, não é a decisão que mais desejávamos. Mas acho que no contexto actual, uma equipa como a nossa, que se baseia em princípios e comportamentos de ética, de rigor a nível disciplinar, não há vontade de continuar a fazer parte do ciclismo português”, reconheceu.
O desencanto de Azevedo é tal que assume ter dificuldade em convencer os jovens da formação a acreditar no ciclismo português quando ele próprio não acredita. “Então o que é que eu tenho de fazer para fazer algum sentido este investimento? É procurar um calendário internacional, que é o ciclismo em que eu acredito, que é o ciclismo em que eu me revejo, e isso dá aos miúdos o alento de sentirem que nesse ciclismo têm futuro. Infelizmente, em Portugal não há futuro ou não se adivinha muito risonho”, lamentou.
Sem querer concretizar, o director desportivo da Efapel lembrou que “no final do ano, todos os anos, há problemas”, numa alusão aos casos de doping que foram conhecidos na temporada passada ou àqueles que se comentam actualmente nos bastidores do pelotão.
“Não se pode permitir que, por exemplo, no ano passado, haja corredores a ganhar provas, quando todos nós sabemos [que vão ser suspensos]. Se calhar não existe motivo para suspender os contratos, mas as equipas podiam deixá-los em casa. Para a verdade desportiva prevalecer, um corredor não deveria estar a competir quando está um processo aberto. E isso compete às equipas e à federação tomar medidas, porque se não vamos descredibilizar o ciclismo”, defendeu.
Para Azevedo, “quem comanda o ciclismo em Portugal, quem tem a obrigação de defender os interesses do ciclismo, não está a fazê-lo”. “Há dois anos criou-se esta ferramenta [passaporte biológico] que foi muito importante. E isso aí foi algo de muito positivo. Deveria ser usado como um instrumento de credibilidade. Mas para isso tem de haver rigor. Rigor, cem por cento. Não pode haver 99%”, reforçou.
Desiludido com o que se passa por cá, o quinto classificado do Tour2004 e do Giro2001 garante que não é neste desporto que a Efapel quer estar. “Não vale a pena. No próximo ano, o nosso caminho é esse. Vamos procurar um ciclismo em que a gente acredite. Se depois este projecto vai durar um ano, dois anos, isso o futuro dirá”, pontuou.
Com a aposta a ser competir no estrangeiro em 2026, a Efapel pode mesmo ficar fora da próxima edição da Volta a Portugal. “Poderemos fazer provas em Portugal, não vou dizer que não, mas não é a nossa prioridade”, concluiu.