Portugal não arde sozinho: a Península Ibérica está a enfrentar um mês de Agosto trágico, com uma série de violentos incêndios. Além de Espanha e Portugal, o fogo, alimentado por altas temperaturas, ventos e um território desordenado com florestas demasiado vulneráveis, alastra-se por outras regiões do Sul da Europa.

Contam-se mortes, casas e bens devorados pelas chamas e milhares de hectares de terra negra onde antes existiam florestas verdes. Entre o coro de críticas sobre as falhas na prevenção e a gestão dos poucos meios de combate, há outro factor que promete agravar este problema nos próximos anos: as alterações climáticas e o seu especial impacto no clima mediterrâneo. Tal como os cientistas têm avisado nos últimos anos, a dimensão e frequência de fenómenos extremos como os incêndios florestais (e também urbanos) cresce com a mudança do clima.

Esse factor é independente de qualquer ciclo político e, segundo os especialistas, tem de ser tido em conta quando se discute a prevenção do espectáculo de horror a que assistimos agora. Perante a inacção, a ameaça cresce também.


“Pacto para emergência climática” em Espanha

Aqui ao lado, Espanha enfrenta a terceira semana de alertas de onda de calor, com os serviços de emergência, apoiados por unidades especializadas do exército, a combater 23 grandes fogos florestais, que estão a atingir, sobretudo, as regiões da Galiza, Castela e Leão e Extremadura, no Noroeste e Oeste do país e todas na fronteira com Portugal. Há também uma morte registada este mês de um bombeiro e milhares de hectares devorados pelas chamas.

O primeiro-ministro, Pedro Sánchez, propôs neste domingo um “amplo pacto de Estado para mitigar a emergência climática” que está a trazer uma força desmedida aos incêndios. Este pacto, explicou, envolve todas as administrações públicas, mas também grupos parlamentares, empresas, sindicatos e toda a sociedade civil, pondo de lado “lutas partidárias e questões ideológicas”.

Em declarações à imprensa após visitar as áreas afectadas pelos incêndios florestais em Ourense, o governante destacou que as capacidades de combate aos fogos devem ser melhoradas devido ao agravamento dos efeitos da crise climática.

Após a extinção das chamas e a reconstrução, sublinhou, será necessária uma reflexão profunda sobre uma estratégia que preveja uma resposta melhor e mais garantida, comprometendo-se a ter as bases do pacto proposto prontas até Setembro. O objectivo, explicou, é dotar os funcionários públicos de todas as capacidades necessárias não só quando ocorrem incêndios, mas também antes, para poderem responder “muito mais eficazmente” e com maiores garantias do que actualmente.




Incêndios florestais na região da Galiza, em Espanha
Reuters/ Mikel Konate

“Situação que não vivíamos há 20 anos”

Os violentos incêndios florestais em Espanha espalharam-se para a encosta sul da cordilheira Picos de Europa na segunda-feira, e as autoridades fecharam parte da rota de peregrinação do Caminho de Santiago, noticiou a agência Reuters nesta segunda-feira. Cerca de 20 incêndios florestais, alimentados por uma forte onda de calor de 16 dias, devastaram mais de 115 mil hectares nas regiões da Galiza e Castela e Leão na última semana.

Sete países da União Europeia (UE) enviaram ou estão a enviar meios de combate a incêndios para Espanha, confirmou a directora da Protecção Civil espanhola, Virginia Barcones, nesta segunda-feira. Espanha activou o Mecanismo de Protecção Civil da UE a 11 de Agosto​.

De acordo com os dados do Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (​EFFIS), recolhidos pelo jornal El País, em Espanha, a área ardida atingiu já 157.501 hectares desde o início do ano até 18 de Agosto, bastante acima da média das últimas duas décadas nesta altura do Verão, que se situava nos 53.600 hectares. O número de incêndios também aumentou significativamente, chegando já a 202 (acima da média de 141), com um aumento de 193% desde o início do Verão.

“Esta é uma situação de incêndio que não vivíamos há 20 anos”, explicou a ministra da Defesa de Espanha, Margarita Robles, à estação de rádio Cadena SER. “Os incêndios têm características especiais devido às alterações climáticas e a esta enorme onda de calor.”

O clima entre os culpados

O actual padrão do clima mediterrâneo do Sul da Europa, com Invernos rigorosos e Verões secos, surge também como um poderoso aliado das alterações climáticas, que já prometiam aumentar a frequência e intensidade do fogo.

Seja onde for, é certo que as mudanças do clima estarão a alimentar o desastre. Em Portugal, o mês de Agosto chegou com temperaturas elevadas e, nalgumas regiões, acompanhado por ventos fortes. Carlos Ribeiro, investigador na Universidade de Coimbra e especialista em incêndios florestais, é um dos que reforçam a ligação entre a violência destes incêndios e as alterações climáticas.


“O fogo é uma condição do clima do Mediterrâneo”, disse o especialista em declarações à SIC Notícias​, apontando para o perigo do combustível acumulado com Invernos rigorosos e Verões quentes e secos. Sublinhando que o factor das alterações climáticas também tem de entrar na equação de uma nova organização da floresta, deixou o aviso: “Temos de nos preparar para dias mais graves.”

Agosto de fogos na Europa

Em vários países, durante este mês de Agosto, as temperaturas ultrapassaram os 40°C, secando as paisagens e transformando-as em combustível. Os incêndios foram acendendo em Portugal e Espanha, mas também na Grécia, Turquia e Albânia.

Na Grécia, incêndios intensos perto de Patras e em ilhas como Chios e Zakynthos desalojaram milhares de pessoas, sobrecarregaram as equipas de emergência e devastaram terras agrícolas e bens.

Vários incêndios florestais assolam a Turquia, incluindo um grande incêndio na província de Canakkale, no Noroeste do país, que obrigou centenas de pessoas a fugir das suas casas. Um homem também morreu num incêndio na Albânia. Na região montanhosa de Kuci, em Montenegro, a nordeste da capital Podgorica, um soldado do exército morreu e outro ficou gravemente ferido quando um camião-cisterna que operavam capotou, informou o Ministério da Defesa.

Muito calor durante muito tempo

O jornal francês Le Monde relata que esta onda de calor que afecta os países da Europa do Sul é muito extensa e deve-se a um imenso bloqueio anticiclónico combinado com um fluxo de massa de ar proveniente de África. Para piorar, surge em cima de outras ondas de calor em Junho e Julho, reforçando o risco.

“Devido ao aquecimento global, muitas ondas de calor, nomeadamente a deste mês de Agosto, assemelham-se cada vez mais à de 2003, que na altura foi considerada um fenómeno meteorológico invulgar. Mas este tipo de evento é muito menos excepcional e observam-se episódios quase todos os anos e até várias vezes por ano”, constata Aurélien Ribes, investigador da Météo-France no Centro Nacional de Investigação Meteorológica, ao jornal Le Monde.

E acrescenta: “Estes episódios ilustram a inadequação das nossas sociedades em muitos sectores, como os transportes, a construção civil e o turismo. Cada Verão lembra-nos agora a urgência de reflectir colectivamente sobre esta questão…”

Neste Verão, as florestas são reduzidas a cinzas a um ritmo alucinante, com o fogo a iluminar noites a fio de combate às chamas alimentado por ventos fortes. Este promete ser um ano particularmente intenso, embora os recordes de 2022 ainda não tenham sido batidos em muitos países, assinala ainda o jornal Le Monde.

De acordo com dados publicados em 13 de Agosto pelo sistema europeu de informação sobre incêndios florestais da Comissão Europeia, 439.568 hectares já foram queimados nos países da União Europeia desde o início de 2025, muito mais do que os 188.643 devastados em 2024, no mesmo período.




Fogo na zona de Arganil, em Portugal, em Agosto
Paulo Pimenta

“Ondas de fogo” nas cidades

Os incêndios florestais no Verão estão longe de ser um facto surpreendente. Porém, apesar da força que estarão a ganhar com as alterações climáticas, o clima em mudança pode fazer pior.

Segundo uma equipa de cientistas, os Verões quentes e secos trazem um novo risco das “ondas de fogo” para as cidades. Tal como noticia a BBC, o termo “ondas de fogo” foi cunhado por investigadores do Imperial College London, que lideraram o estudo, e descreve múltiplos incêndios urbanos provocados por longos períodos de tempo quente e seco.

O trabalho centrou-se em episódios registados na cidade de Londres e conclui que, após dez dias consecutivos de tempo muito seco, a vegetação fica tão seca em áreas extensas que a probabilidade de vários incêndios deflagrarem simultaneamente aumenta drasticamente.

Um dos mais importantes factores a ter em conta é o défice de humidade. “A vegetação não fica apenas um pouco mais inflamável, fica muito mais inflamável”, explicou Guillermo Rein, professor de Ciência do Fogo no Imperial College London, em declarações à BBC. “Quando o teor de humidade da vegetação cai abaixo de um certo limite, mesmo uma pequena faísca pode levar a um incêndio de rápida propagação”, acrescentou.

Segundo este trabalho, este risco ameaça qualquer cidade sujeita a dias consecutivos de tempo muito seco, mas Guillermo Rein destaca o perigo nas cidades do Norte da Europa, “porque as alterações climáticas parecem estar a tornar a vegetação verde, que não era inflamável, muito inflamável”. com agências