“Está fabuloso nesse fato!” O elogio, dirigido ao Presidente da Ucrânia, surgiu pela voz do repórter conservador Brian Glenn, que estava na Sala Oval durante o encontro em Donald Trump e Volodymyr Zelensky, e levou à reação imediata do Presidente dos EUA: “Eu disse o mesmo.” Meses antes, o mesmo jornalista tinha criticado a indumentária do Presidente ucraniano — e Zelensky não esqueceu: “Eu recordo-me. E o senhor está a utilizar o mesmo fato.”

O modo de vestir de Volodymyr Zelensky há muito dá que falar, já que o Presidente ucraniano vai recusando vestir um fato completo desde que a guerra na Ucrânia começou. O mais natural é vê-lo vestido com um pólo preto ou verde tropa ou uma camisa nos mesmos tons, de tal forma que, ao longo dos últimos anos, a indumentária passou a ser vista como um statement, uma postura política.

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Foi exatamente por isso que, em fevereiro, durante a polémica presença de Zelensky na Sala Oval, a pergunta do repórter Brian Glenn, correspondente do canal conservador Real America’s Voice na Casa Branca, fez correr muita tinta: “Porque é que não usa um fato? Está no local de mais alto nível neste país e não usa um fato? Tem um fato? Muitos americanos acham que não usar fato é um problema, que não está a respeitar este local.”

Na altura, Zelensky não deixou Glenn sem resposta: “Vou usar um fato quando esta guerra acabar. Talvez um como o seu, talvez um melhor.”

Seis meses depois, num novo regresso à Casa Branca, o Presidente da Ucrânia acabou por ceder — não em toda a linha, desde logo porque não usou gravata, mas ao usar um fato que agradou a Donald Trump, tal como tinha feito na NATO, em julho, altura em que também se sentou frente a frente com o Presidente dos EUA. Ou seja, em três anos, Zelensky surgiu pouquíssimas de fato, todas após o momento embaraçoso na Casa Branca.

Desta vez, de acordo com o site Axios, a administração dos Estados Unidos perguntou diretamente ao governo ucraniano se o Presidente do país iria usar fato e gravata no encontro na Sala Oval, já que Donald Trump considera que o líder político de um país tem de usar fato. Aliás, no encontro anteriormente referido, o Presidente norte-americano chegou a usar o sarcasmo para criticar Zelensky, sugerindo que estava “todo aperaltado“. E JD Vance fez críticas exatamente no mesmo sentido.

Já antes de aparecer na Casa Branca, fontes tinham confirmado ao Axios que o chefe de Estado ucraniano iria usar uma indumentária “em estilo de fato, mas não um fato completo”. Uma das designers da roupa usada por Zelensky tinha também dito ao jornal Politico, que o Presidente da Ucrânia iria estar “de fato”, frisando que “o estilo continua a ser militar,  com a mesma simbologia: ele é o chefe de um Estado, que está em guerra“.

Quem o disse foi Elvira Gasanova, empresária ucraniana e designer da marca Damirli, que é autora das peças mais conhecidas do closet de Zelensky, nomeadamente pólos e t-shirts que acabaram por se tornar num sucesso de vendas. Os produtos são vendidos como peças “do guarda-roupa do Presidente Volodymyr Zelensky” — o pólo custa 190 euros enquanto a camisa em tom verde-tropa com elementos tradicionais ucranianos pode chegar aos 375 euros. A camisola que Zelensky usou na Casa Branca é uma versão adaptada de um pólo de manga comprida que custa 215 euros, feita especialmente para o Presidente ucraniano com o símbolo do país.

O simbolismo da roupa dos homens poderosos: de Churchill a Zelensky, passando por Che Guevara ou Obama

Recorde-se que, antes de 24 de fevereiro de 2022, o vestuário de Volodymyr Zelensky não divergia em nada do visual habitual dos líderes políticos modernos. Usava camisa, fato e a ocasional gravata. Tudo mudou no momento em que a Rússia invadiu a Ucrânia.

Zelensky assumiu um papel de protagonismo que até então lhe era desconhecido. Com as suas múltiplas aparições, discursos, declarações, a mensagem em vídeo diária e pedidos de ajuda ao Ocidente, destacou-se rapidamente um aspeto: o estilo visual do Presidente ucraniano, consistindo em roupas simples — t-shirt, polo ou sweatshirt — e quase sempre em tons de verde-militar ou preto. Mais tarde, juntou-lhe o tal bordado em forma de tridente, símbolo dos três ramos das Forças Armadas ucranianas — que se tornou um sucesso.

Percebeu-se também que Volodymyr Zelensky não iria abdicar desse estilo quando começou a ter encontros fora da Ucrânia: primeiro nos Estados Unidos (ainda com Biden como Presidente), onde discursou no Senado norte-americano e depois em Bruxelas. Em cada aparição, a roupa começou a ser usada por Zelensky como mais uma arma de comunicação que ajudava o líder da Ucrânia a transmitir a sua mensagem de sobriedade, resiliência e foco no objetivo: a vitória. Essa postura acabou por esbarrar nas críticas tecidas no encontro (e pós-encontro) com Trump na Casa Branca — a verdade é que Zelensky cedeu e não repetiu.