O ditado “nada está tão ruim que não pode piorar” descreve perfeitamente a situação atual da NASA: assim como outros órgãos governamentais dos Estados Unidos, a agência aeroespacial passa por uma revisão completa de procedimentos para se alinhar à agenda do presidente Donald Trump, que incluem redução significativa do orçamento para 2026, e o corte de (no mínimo) um terço do corpo de profissionais.
Os planos incluem também o cancelamento de pesquisas científicas, no que o administrador interino Sean Duffy defende que tudo o que não for ligado à exploração espacial deve ser interrompido e abandonado, especialmente às ligadas a mudanças climáticas.
Logo da NASA no Centro Espacial Kennedy, na Flórida (Crédito: Jessie Hodge/Flickr)
Ah, sim, Duffy também quer um reator nuclear na Lua, para fornecer energia em missões futuras de longa duração, onde o satélite seria um “teste de campo” para Marte.
NASA reduzida a fretadora
Assim que voltou à Casa Branca, Trump implementou uma série de medidas conforme o ditado pelo “Projeto 2025”, do qual já falamos aqui. Ele é uma espécie de “cartilha” criada pelo Heritage Foundation, um gabinete estratégico (think tank) conservador, que define ações a serem tomadas para desfazer todas as mudanças implementadas pela gestão de Joe Biden.
Antes de mais nada, sim, o plano é inacreditavelmente imbecil, mas está sendo implementado mesmo assim, e à risca.
Além de pressionar pelo fim das políticas de DEI (Diversidade, Equidade, e Inclusão) em todas as esferas, estatais e privadas, o Projeto 2025 também discorre sobre medidas para desmontar agências, automatizar serviços, e demitir em massa, em que o DOGE (Departamento de Eficiência Governamental) teve papel de destaque.
Sobre a NASA, a agência escapou pela tangente do plano original de demitir todos os estagiários contratados recentemente, mas foi forçada a implementar um programa de demissão voluntária e aposentadoria compulsória, além de rever cortar todos os programas de contratações voltadas a minorias. Até o fim de julho de 2025, isso resultou na demissão de 3.870 funcionários, um corte violento de pessoal de mais de 20%.
Não para por aí, claro. O gabinete de Trump propôs uma redução de 24,2% no orçamento para o próximo ano, de US$ 24,8 bilhões (~R$ 134,28 bilhões, cotação de 18/08/2025) em 2025, para US$ 18,8 bilhões (~R$ 101,8 bilhões) em 2026. A verba dedicada a Ciências Terrestres foi a mais afetada, perdendo 47% da grana em relação ao ano anterior, de US$ 7,3 bilhões (~R$ 39,55 bilhões) para apenas US$ 3,9 bilhões (~R$ 21,1 bilhões). O único setor que receberia um incremento, finja surpresa, é o de Exploração Espacial.
Especialistas apontam que uma redução tão violenta na verba voltada à Ciência não daria nem para o básico, mas segundo Sean Duffy, essa é exatamente a intenção: interromper tudo o que não for voltado ao Espaço, e mesmo aqui, o trabalho pesado seria todo terceirizado para companhias como SpaceX, Blue Origin, Boeing, ULA, e outras.
Em suma, a NASA seria reduzida a uma mera agência de frete.
Sean Duffy: ex-participante de reality show, ex-apresentador da Fox News, ex-chefe da FAA, hoje no comando interino da NASA (Crédito: Samuel Corum/Getty Images)
Duffy, indicado para o cargo de administrador interino após a dispensa de Jared Isaacman, é exatamente aquilo que o amigo de Elon Musk não é, e que lhe custou o posto: um MAGA 120% leal a Trump. De cara, ele apoiou a proposta de orçamento e todos os cortes propostos à agência pelo gabinete presidencial, que está buscando meios de implementá-los sem a aprovação do Congresso, via ordem executiva endossada pela Suprema Corte.
O movimento é sincronizado com uma pressão de Trump para derrubar todas as regulações ambientais para o lançamento de foguetes, com atenção dada à SpaceX e Blue Origin, e se você pensou na China, é bem por aí.
Só que Duffy foi além. Na última quinta-feira (14), em entrevista ao canal Fox News, onde ele já atuou como apresentador (curiosidade extra, ele foi um dos participantes da edição de Boston do antigo reality show da MTV The Real World, que no Brasil ficou conhecido como Na Real), ele foi bem claro sobre as prioridades futuras da NASA:
“Tudo o que se refere a ciências climáticas, e as demais prioridades da NASA definidas pela última administração serão postas de lado, e toda a ciência que faremos será voltada à exploração (espacial), que é a missão da NASA (…).
É para isso que a NASA existe, para explorar, não para fazer ciência na Terra.”
O plano é bem simples, envolve a interrupção completa de todos os projetos ligados à Ciência Terrestre a partir de 2026, visto que todo o dinheiro voltado à NASA deverá ser direcionado para as missões envolvendo Lua e Marte. Missões como a Orbiting Carbon Observatory (OCO), que monitora as emissões de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera, seriam abandonadas por completo, sem nenhum tipo de monitoramento e coleta de dados, até a reentrada e perda dos satélites.
De novo, tal proposta foi previamente delineada no Projeto 2025, onde tudo ligado às “Fake News das mudanças climáticas” deve ser descartado.
O grande problema, se é que podemos chamar assim, é que forçar a NASA a abandonar todas as missões de Ciência Terrestres viola a Lei Federal de 1958 que estabeleceu a agência em primeiro lugar, que define suas duas missões prioritárias: monitorar asteroides potencialmente perigosos, e estudar, entender, e monitorar o clima da Terra. Só que de novo, Trump não tem tido muito melindre em passar por cima do Congresso, pois conta com a Suprema Corte, de maioria indicada por ele, para aprovar suas ordens executivas.
Fontes próximas à NASA, ouvidas pelo site Ars Technica, dizem que Duffy tem ignorado solenemente informes de engenheiros da agência, e dado preferência a membros políticos de alto escalão, como o chefe de gabinete Brian Hughes, que aventou a possibilidade de fechar ou consolidar centros de pesquisa, para tornar o órgão “mais ágil”.
Reator nuclear na Lua e a Segunda Corrida Espacial
A outra proposta de Duffy envolve a construção de um reator nuclear na Lua, de modo a viabilizar uma estação norte-americana permanente no satélite, além de ser um empreendimento-teste para os planos de colonização de Marte.
Idealmente é um investimento em infraestrutura de médio/longo prazo que faz sentido, projetos que demandam muita energia poderão ser alimentados a longo prazo por projetos similares aos que já fornecem energia para sondas em operação, como a Curiosity e a Perseverance.
O administrador interino, no entanto, defende a implementação do plano até 2030, prevendo uma “Segunda Corrida Espacial” que, sabe lá como ele imaginou isso, poderia escalar para uma guerra por supremacia no Espaço.
Eu diria que ele andou assistindo For All Mankind demais.
Representação artística de como seria o reator nuclear lunar (Crédito: NASA)
Tecnicamente, devido o tratado de 1967 assinado por diversas nações (Brasil incluso, mas ele é irrelevante), ninguém pode clamar posse da Lua, mas garantir que os EUA montem seu reator e base permanente primeiro dá ao país o direito (por ordem de chegada, no caso) de decidir onde se instalar, para explorar recursos valiosos como Hélio-3 e gelo, este no Lado Oculto onde o Sol nunca bate, que torna a energia nuclear essencial.
A descoberta de um depósito por uma missão da China poderia servir inclusive de “mapa do tesouro”, e Pequim que se vire, na base do “quem chegar primeiro, leva tudo”.
Por fim, desenvolver tais capacidades viabilizam os planos de fazer o mesmo em Marte, o que em outros tempos, seria um plano a ser traçado em parceria com outras nações, incluindo Rússia e China; no entanto, dado o clima político atual, e a obsessão de Donald Trump de colocar os Estados Unidos acima e à frente de todos, uma colaboração do tipo hoje soa inviável.
Mas daí a guerra é um salto muito grande, e altamente improvável.
Fonte: Ars Technica, CNN, Politico