Depois de 172 anos, a cervejeira Lang-Bräu fechou portas “para sempre” no final de Maio. “Não foi uma decisão fácil para nós”, garantem os irmãos Richard e Rudolf Hopf no site da empresa. “Como abdicar de algo que moldou a nossa família e a região durante gerações?”

Localizada na aldeia de Schönbrunn, nas montanhas da Baviera, a cervejeira familiar anunciou no Verão passado que ia fechar portas de forma faseada este ano, “devido ao agravamento da situação do mercado e à necessidade urgente de investimentos multimilionários em tecnologia e construções”. Até Outubro, vão continuar a abrir duas manhãs por mês para vender o stock.

De acordo com os proprietários, seriam precisos 12 milhões de euros para adaptar as instalações e tornar a empresa “competitiva e preparada para o futuro”, mas as projecções para a indústria no país do Oktorberfest são tão desalentadas que não vêem “qualquer perspectiva de gerir todo o projecto com seriedade”.

Longe de ser caso único, o exemplo da centenária Lang-Bräu é sintoma de uma crise que se alastra um pouco por todo o sector, não só na Alemanha mas também noutros países do mundo, sobretudo no Ocidente.

Sector em crise

A mudança nos hábitos de consumo, sobretudo nas gerações mais novas, tem-se traduzido numa menor ingestão de bebidas alcoólicas, à qual a cerveja não escapa, associada a uma maior consciência dos seus efeitos, à valorização de estilos de vida mais saudáveis, e à redução do poder de compra dos jovens.

Com a inflação e a subida generalizada do custo de vida, quem bebe cerveja tem também tendência a procurar opções mais baratas ou a restringir quantidades; a comprá-la no supermercado em vez de consumir em bares e restaurantes, uma das principais fontes de rendimento para a indústria, sobretudo para pequenas e médias cervejeiras.

Todos esses factores ajudam a explicar a descida dos “números de vendas em todo o sector”, em contraciclo com o aumento “enorme” dos custos, sobretudo “nas áreas da energia, matérias-primas e pessoal”, além da “pressão sobre os preços”, que tem sido “desastrosa devido à concorrência das grandes cervejeiras no mercado”, apontam os Hopf em comunicado. A transição para uma produção neutra em termos climáticos até 2045, data estabelecida pelo Governo alemão, acresce a subida dos custos ao exigir investimentos significativos.

Os números ajudam a materializar o cenário de crise. De acordo com o Gabinete Federal de Estatísticas da Alemanha, a produção de cerveja caiu para o nível mais baixo no primeiro semestre do ano, registando uma quebra de 6,3% face a 2024. No ano passado, um relatório do mesmo gabinete destacava a queda nas vendas de 13,7% entre 2024 e 2014 (menos 1,3 mil milhões de litros de cerveja vendidos em dez anos). Também o consumo por pessoa está em mínimos históricos: caiu de 126 litros por ano em 2000 para 88 litros em 2023, ou seja, mais de 30%, a maior quebra em três décadas.

Resultado? Muitas cervejeiras não estão a conseguir manter operações, tanto casas históricas como novas empresas que tinham nascido com a moda das cervejas artesanais. Em cinco anos, fecharam 93 cervejeiras na Alemanha, uma queda de 6% — 52 delas só no ano passado, de acordo com o Gabinete Federal de Estatísticas da Alemanha. Se tivermos em conta os dados desde 2019, a Baviera é a região que regista o maior número de encerramentos (-50), seguida de Renânia do Norte-Vestefália (-24), Hesse (-14) e Baden-Württemberg (-9).

Identidade cultural

Na Alemanha, o consumo de cerveja há muito que está interligado à identidade cultural do país. No século I d.C., o historiador romano Tácito já descrevia os germânicos como pessoas apaixonadas por cerveja. E, na Idade Média, monges em diferentes mosteiros do país fabricavam cerveja não só para consumo próprio como para venda, prática que se mantêm em vários até aos dias de hoje.

Em 1516, foi promulgada a Lei da Pureza da Cerveja, na região da Baviera, bastião nacional da produção de cerveja, para controlar a qualidade e garantir que apenas três ingredientes eram utilizados: água, cevada e lúpulo (além de leveduras naturais). É a lei alimentar ainda em vigor mais antiga do mundo. Há cerca de 200 anos abriu a primeira cervejaria (biergarten) do país, em Munique, capital da Baviera e cidade que acolhe o maior festival de cerveja do mundo, o Oktoberfest.

Apesar de a cerveja sem álcool corresponder apenas a cerca de 20% das vendas totais na Alemanha, a sua produção quase duplicou na última década, e o volume de vendas terá tendência a continuar a aumentar face às cervejas com álcool. No entanto, a adaptação da produção é cara e requer um investimento em equipamento industrial, o que para as pequenas e médias cervejeiras nem sempre é uma solução válida, colocando-as numa posição de maior fragilidade na competição com grandes marcas, que têm capacidade de produção maiores, mais rápidas e diversificadas.