Investigação australiana pioneira revela que mais de metade do carbono armazenado nos solos húmidos costeiros vem de fora dos próprios ecossistemas
Uma equipa de cientistas do Instituto Australiano de Ciências Marinhas (AIMS) resolveu um dos grandes desafios da ciência do clima: identificar as origens do carbono orgânico armazenado nos solos das zonas húmidas costeiras à escala global. O estudo foi publicado recentemente na prestigiada revista Global Change Biology e fornece pistas cruciais sobre como os ecossistemas marinhos podem contribuir naturalmente para o combate às alterações climáticas.
Foto:Violeta Jahnel Brosig
As zonas húmidas costeiras — como sapais, mangais e pradarias marinhas — capturam dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera e da água através da fotossíntese. Parte desse carbono acaba por ser enterrado no solo, onde pode permanecer armazenado durante centenas ou até milhares de anos. Este processo é conhecido como sequestro de carbono e é uma ferramenta natural poderosa contra o aquecimento global.
Mais do que parece: o carbono vem de todo o lado
Segundo o investigador principal do estudo, Chris Fulton, entender de onde vem esse carbono é como tentar descobrir os ingredientes de um bolo sem saber a receita. Para isso, a equipa desenvolveu um modelo matemático que analisou centenas de medições em solos de diferentes zonas húmidas costeiras.
A descoberta principal surpreendeu: mais de metade do carbono armazenado nestes solos vem de plantas que não vivem diretamente nesses ecossistemas, como algas marinhas e plantas terrestres provenientes de zonas costeiras vizinhas ou de rios que desaguam no mar.
“Temos de começar a ver estes ecossistemas como parte de uma rede interligada”, disse Fulton. “Não basta proteger apenas os mangais — é preciso uma gestão costeira holística, que proteja todas as fontes de carbono orgânico.”
Reforçar os ecossistemas pode atrair investimento para o clima
O estudo mostra ainda que é possível melhorar o sequestro de carbono azul restaurando zonas húmidas com uma diversidade maior de plantas, provenientes de várias partes da paisagem costeira e marinha.
Isto tem implicações importantes no financiamento para ações climáticas. Segundo Fulton, melhorar o sequestro de carbono azul pode desbloquear milhões em financiamento, num momento em que o mundo procura soluções viáveis para atingir as metas de emissões líquidas zero.
“As florestas de mangais são uma das mais antigas formas de captura e armazenamento de carbono”, explicou. “Agora sabemos que não só armazenam o seu próprio carbono, como também capturam carbono de outras fontes e o enterram no solo por séculos.”
Um apelo à ação e à atualização das regras
O investigador defende também que os sistemas de créditos de carbono azul precisam ser atualizados, tanto na Austrália como internacionalmente. Hoje, estes sistemas focam-se apenas nas plantas que formam os ecossistemas, ignorando outras fontes importantes de carbono que também são sequestradas.
“Perante fenómenos extremos como as ondas de calor marinhas, cheias e incêndios, uma das respostas é simples: ajudar as plantas costeiras a continuar a enterrar carbono, ao mesmo tempo que reduzimos as nossas emissões”, concluiu.
Fulton lidera atualmente o projeto Blue Carbon Seascapes, financiado pela empresa BHP, que está a desenvolver um modelo mais abrangente de sequestro de carbono azul, considerando todas as possíveis fontes de carbono.