Não se sabe o que diz, mas Volodymyr Zelensky entregou uma carta da primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska, dirigida a Melania Trump para expressar gratidão pela norte-americana ter escrito a Vladimir Putin. A primeira-dama americana pedia ao líder russo que protegesse as crianças que estão a sofrer os efeitos da guerra há mais de três anos.

“Muito obrigado à sua mulher, primeira-dama dos Estados Unidos”, disse Zelensky, no encontro na Casa Branca nesta segunda-feira, enquanto estendia uma carta a Donald Trump, que se mostrou surpreendido. “Não é para si, [é] para a sua mulher”, alertou o Presidente ucraniano, arrancando uma gargalhada ao líder norte-americano.

Nem Olena Zelenska, nem Melania Trump acompanharam os maridos na reunião na Sala Oval, destinada a encontrar uma solução para a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Mas a 15 de Agosto, depois do encontro entre Trump e Putin no Alasca, Melania partilhou uma carta que a própria tinha escrito ao Presidente russo a pedir o cessar-fogo em prol do bem-estar das crianças. “Todas as crianças partilham os mesmos sonhos silenciosos no seu coração, quer nasçam ao acaso no campo de uma nação ou no centro de uma cidade magnífica. Sonham com amor, com oportunidades e com segurança contra o perigo”, terá escrito na nota partilhada pela Casa Branca, onde interpelava directamente: “Sr. Putin, pode restaurar o riso melódico das crianças.”

Melania evocou a sua própria experiência, tendo crescido na antiga Jugoslávia e saído para trabalhar como modelo no início dos anos 1990 quando implodiu o conflito que levou à criação da Eslovénia. “Como pais, é nosso dever alimentar a esperança da geração seguinte”, declarou a primeira-dama, que continuou: “Como líderes, a responsabilidade de apoiar as nossas crianças vai para além do conforto de alguns. É inegável que devemos esforçar-nos por pintar um mundo cheio de dignidade para todos.”

Esse gesto de paz vai além da Rússia e “serve a humanidade inteira”, insistiu a primeira-dama, transmitindo quase a ideia de que Putin tem o poder de mudar todo o mundo. “Uma ideia tão ousada transcende todas as divisões humanas e V. Exa., Sr. Putin, está apto a implementar esta visão com um golpe de caneta hoje. Chegou a hora”, terminou.




Melania Trump de visita ao Texas em Julho deste ano
Jonathan Ernst/Reuters

De acordo com associação Bring Kids Back UA, quase 20 mil crianças ucranianas foram deportadas para a Rússia, num “esforço para as desligar do seu património e identidade”, e só pouco mais de mil voltaram entretanto a casa. De acordo com os últimos dados das Nações Unidas (ONU), pelo menos 669 crianças foram mortas e 1800 ficaram feridas entre Fevereiro de 2022 e Dezembro de 2024.

A ONU tem condenado a Rússia pelas acções que “representam violações em grande escala dos direitos humanos”, como classificou o alto-comissário para os Direitos Humanos, Volker Türk, num comunicado divulgado em Março deste ano, onde acusava Putin de “infligir um sofrimento inimaginável a milhões de crianças”.

Resta saber se o apelo da primeira-dama norte-americana terá algum efeito junto do líder da Rússia. Melania Trump não é particularmente conhecida pelo apoio a causas humanitárias, ainda que, em alguns discursos, tenha mencionado temas como o racismo (a propósito do movimento Black Lives Matter) ou a violência contra as mulheres. Mas, em 2018, durante o primeiro mandato de Trump, ficou célebre por vestir um casaco, onde se lia nas costas “I really don’t care. Do u?” (“Não quero saber. E tu?”), para visitar um centro de detenção de crianças no Texas, na fronteira entre os EUA e o México.




Volodymyr Zelensky e Olena Zelenska
Virginia Mayo / POOL

Olena Zelenska tem acompanhado o marido não só em visitas oficiais para conseguir apoio internacional para a Ucrânia, como também a solo — esteve em Portugal em Outubro do ano passado, onde criticou precisamente a inacção do mundo face à deportação das crianças ucranianas — falando sobre a infância ou a saúde mental, que diz ser frequentemente esquecida em períodos de conflito.

As primeiras-damas habitualmente encontram as suas causas próprias, dedicando-se ao trabalho humanitário. A antecessora de Melania, Jill Biden, tornou-se porta-voz para a educação (ou não fosse ela professora), mas também para a saúde pública, promovendo a vacinação contra a covid-19. Michelle Obama trabalhou em prol do empoderamento feminino, mas também da saúde dos mais jovens, focada na obesidade. Antes dela, Barbara Bush foi pioneira a falar de questões ambientais e Hillary Clinton firmou a sua própria carreira política depois de ter sido primeira-dama, defendendo a reforma da saúde nos EUA.