Essa função primordial da Direção Executiva não tem, contudo, sido cumprida, na opinião de Carlos Cortes. “O que temos visto nos últimos tempos é que a coordenação entre hospitais e serviços de urgência não está a ser feita, cada hospital está entregue a si próprio. No momento em que se esperava ação, a Direção Executiva nunca marca presença”, critica o bastonário.

Para além da polémica em torno dos estatutos (que só viriam a ser publicados em outubro de 2023) e da contratação dos serviços de assessoria e ainda dos custos com a sede, a instabilidade na liderança tem sido uma constante. Em apenas dois anos, a DE-SNS já conheceu três líderes diferentes: Fernando Araújo (que saiu incompatibilizado com a ministra Ana Paula Martins), António Gandra D’Almeida (que se demitiu na sequência da acumulação de funções incompatíveis) e, agora, Álvaro Almeida.

Mudanças na liderança que não têm servido para melhorar o desempenho da Direção Executiva, que, na opinião de vários dos principais intervenientes no setor da Saúde, tem revelado cada vez tem maiores dificuldades em dar resposta aos problemas no terreno. “A Direção Executiva ainda não conseguiu dar os passos que são importantes no aumento da resposta às necessidades das pessoas. Garantir que não há encerramentos de urgências e que não há férias em simultâneo de alguns profissionais de saúde é responsabilidade da Direção Executiva. Isso tem falhado“, critica o bastonário dos enfermeiros, Luís Filipe Barreira, apontando falhas sobretudo na área da Obstetrícia.

A falta de articulação com os hospitais, no sentido de coordenar o funcionamento da resposta em rede, é a principal crítica apontada à Direção Executiva. Os gestores hospitalares admitem que tem havido um esforço neste sentido, mas sublinham que é insuficiente. “A DE-SNS tem estado articulada com os hospitais, mas tem sido suficiente para resolver os problemas? Claro que não“, diz o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, defendendo, no entanto, que a resolução dos problemas das urgências depende, sobretudo, de decisões políticas, ou seja, da tutela.

Ainda em julho, muitas Unidades Locais de Saúde (ULS) já anteviam um verão crítico. Dois sindicatos dos médicos falavam mesmo num período “pior” que o de 2024 — sobretudo na área de Obstetrícia, em que se previa a necessidade de fechar urgências por falta de profissionais para garantir as escalas necessárias. Para tentar evitar o pior dos cenários, as unidades entraram em contacto entre si e articularam-se, garantindo que em determinadas áreas geográficas, haveria sempre pelo menos um serviço de urgência aberto. Mas todo esse processo, referem várias fontes ao Observador, foi feito praticamente sem o apoio da Direção Executiva do SNS.

Foi o que aconteceu, por exemplo, entre as ULS Amadora-Sintra e a ULS de Lisboa Ocidental, que assinaram mesmo um protocolo de articulação em junho, para assegurar que esteja sempre aberto um serviço de urgência de Obstetrícia numa região com largas dezenas de milhares de utentes. O mesmo aconteceu, já em agosto, com as ULS da Região de Leiria e de Coimbra, que assinaram um protocolo com vista à partilha de recursos humanos na área da saúde materna e obstétrica, com o objetivo de evitar o encerramento das urgências do Hospital de Santo André (em Leiria), que tem um crónica carência de obstetras.

Hospitais articulam-se para tentar impedir fecho de urgências. Mas vem aí um verão “pior que o do ano passado”, uma “tragédia anunciada”

“O trabalho não está a ser feito e tem faltado coordenação. A nossa sensação no terreno é a de que a degradação é muito maior do que antes nos hospitais. Vê-se na área materno-infantil, na Ortopedia do Santa Maria — uma situação grave —, na qual devia ter havido uma intervenção da Direção Executiva”, diz a presidente da Federação Nacional dos Médicos, referindo-se ao encerramento do serviço de urgência de Ortopedia do maior hospital do país durante 19 dias no mês de agosto, por falta de recursos humanos. Joana Bordalo e Sá considera que este organismo “não tem tido qualquer impacto positivo relevante na melhoria do SNS” e que “corre o risco de se tornar irrelevante, quase decorativo”.

Desde que tomou posse pela primeira vez, em 2024, a ministra da Saúde foi dando sinais de que seria necessário reformular as competências da Direção Executiva, que tinha ficado com demasiados poderes quando foi criada, esvaziando a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Em janeiro de 2025, o Governo aprovou a extinção das Administrações Regionais de Saúde, e retirou também à Direção Executiva as competências de planeamento, gestão e administração de recursos humanos — passando-as para a ACSS. Assim, desde o início deste ano, a DE-SNS passou a ter competências de cariz puramente operacional e organizativo, que ainda assim, não têm estado a ser cumpridas de forma eficaz, dizem os responsáveis ouvidos pelo Observador.