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Background

Tunico faz isso há muito tempo, conciliando com seu trabalho de corretor de imóveis, por dentro de todos os crimes, aniversários e funerais da cidade.

Homenageado ano passado no Cine Ceará, Gero Camilo demonstra sua ampla habilidade com um personagem desafiador. Apesar da sua camada mais cômica, de um homem caricato que leva muito à sério uma atividade tão fútil, há também um lado trágico e melancólico. Sua solidão é suspensa quando conhece Beto, personagem também à margem urbana que é interpretado por Ruan Aguiar, ator em ascensão na televisão.

Douglas faz uma escolha envolvente ao dar o pontapé nessa história com comédia e ironia. Quando entra ao vivo atrás de uma repórter, Tunico liga para um amigo para saber se ele está mesmo enquadrado na TV – então precisa dar uns passos à direita para seu rosto ficar o mais visível possível. No Palácio dos Festivais, a plateia respondia rindo.

Ator cearense Gero Camilo protagoniza “Papagaios”

A dramaturgia ganha uma densidade estranha quando Tunico e Beto começam um confronto velado. Sob a voz de Nelson Gonçalves na canção “Naquela Mesa”, os dois “dançam” na frente de um espelho alternando posições como num balé ameaçador.

Ao fim da cena, quem domina quem? Inexperiente com longas, Ruan Aguiar tem uma presença tímida e bastante silenciosa, mas que constrói seu mistério – se Tunico quer aparecer e ser lembrado, Beto quer o quê?

Aos poucos, Douglas vai transformando esse duelo numa espécie de thriller policial, especialmente quando a relação paternal entre os dois vira uma caça. Ao mesmo tempo, essa equação também expõe certa fragilidade porque o suspense se constrói sem rota de fuga, muito direto e com pouca subjetividade. O desfecho tenta dar valor à uma ambiguidade que nunca existiu, de fato.

“Papagaios” e o Festival de Gramado

De toda forma, o filme ganha por ser tão devoto à própria irreverência. No palco, Gero não hesitou em declará-lo como o set “mais divertido” da carreira. Na coletiva de imprensa que aconteceu no dia seguinte, ele expandiu essa sensação ao declarar que estava pronto para se aposentar do cinema até conhecer Ruan, que o tocou pela “juventude e empolgação” de um jovem ator.

Ao ser perguntado sobre a preparação de elenco, Gero revelou sua inspiração nos personagens cômicos de Woody Allen, uma soma que acaba fazendo todo sentido. Personagens como os papagaios, porém, já parecem ultrapassados diante da cultura midiática das redes sociais. O diretor também comentou sobre essa perspectiva, principalmente porque o filme tem uma roupagem “de época” – os celulares, carros, roupas, aparelhos e móveis, por exemplo, são todos antigos, saídos da década retrasada. É uma escolha interessante por tornar o drama meio atemporal, às vezes até onírico, na margem do pesadelo.

“Nosso filme não tem jornada de superação porque não é algo que se supera. É algo que vai derramando”, comentou Ruan emocionado ao dissecar sua construção para um personagem tão quieto e ameaçador. Sua empolgação com o ofício, de fato, soou inspirador para a imprensa presente.

Com desastre e humor, sempre tão entrelaçados, “Papagaios” tem elementos suficientes para engajar públicos às vezes tão distantes: do cinema e da televisão. A estreia está prevista para o primeiro semestre de 2026.