A Casa Branca disse que interpretaria como “um bom sinal para a paz” se Volodymyr Zelensky aparecesse para a reunião com Donald Trump a usar um fato e gravata. O Presidente ucraniano não usou gravata, mas obedeceu e deixou a habitual indumentária da camisola militar para vestir um blazer preto e calças de fato. O designer responsável pela criação, Viktor Anisimov, desvaloriza o simbolismo da escolha de vestuário e garante: “Isto não é sobre o fato — é sobre o que aconteceu à Ucrânia.”

A mudança de visual fez-se notar nesta segunda-feira e Brian Glenn, jornalista do canal de extrema-direita Real America’s Voice, que tinha criticado Zelensky em Fevereiro, não se coibiu de comentar, dirigindo-se ao Presidente ucraniano: “Está muito bem.” E Trump completou que “tinha dito a mesma coisa”. Mas Zelensky apontou para Glenn e sublinhou que aquele usava o mesmo fato que há cinco meses — “Eu mudei, mas você não.” —, fazendo rir a sala.

Viktor Anisimov, que é responsável pelo guarda-roupa do Presidente, falou com a Women’s Wear Daily antes do encontro entre Trump e Zelensky para explicar que a aparência mais formal não foi motivada pela reunião desastrosa de Fevereiro na Casa Branca. “Já tínhamos começado a trabalhar no novo guarda-roupa e estilo do Presidente em Janeiro. Depois do que aconteceu em Fevereiro, conhecendo os princípios do nosso Presidente, pensei que ele não iria querer mudar o seu estilo. Mas não, ele decidiu que devíamos continuar”, explicou, reconhecendo que não fala directamente com Zelensky sobre o tema, mas com a sua equipa.

Todavia, Anisimov encontrou-se com o Presidente ucraniano no final da semana passada em Kiev para fazer a prova de um novo fato para o Dia da Independência da Ucrânia, que se comemora no próximo domingo, 24 de Agosto. O criador tinha desenhado dois fatos, um azul e outro preto, para Zelensky escolher. Nesse dia, foi surpreendido ao saber que o fato preto ia afinal ser usado já nesta semana para a Casa Branca, levando a equipa do ateliê a fazer algumas alterações de última hora.




Zelensky na Sala Oval da Casa Branca
AARON SCHWARTZ / POOL

O casaco do fato é feito da mesma lona que é usada nos fardamentos do exército, tem um corte esguio com quatro bolsos na frente e até ventilação nas costas, permitindo o movimento e a prontidão para a acção que Zelensky quer passar na maneira como se veste. Aliás, no anterior encontro na Casa Branca, tinha dito que só ia deixar de usar a camisola militar com o tridente ucraniano “quando a guerra terminar”.

Contudo, em Julho, num encontro com Trump em Haia, nos Países Baixos, a propósito da cimeira da NATO, Zelensky também surgiu com o novo visual: um fato semelhante ao que usou na Casa Branca nesta segunda-feira, também assinado por Viktor Anisimov, que o tinha vestido igualmente para a visita de Estado à Áustria, em Junho.

O criador, que começou a marca própria em 1997, continua a trabalhar desde o início da guerra e não esconde o desespero para que haja uma resolução do confito entre a Ucrânia e a Rússia, que se arrasta há mais de três anos — a última colecção foi inspirada pelo vestuário de guerra e regressa à passerelle a 5 de Setembro na Semana da Moda da Ucrânia. “Não estou preocupado com o fato que ele vai usar. O que me preocupa mais são os resultados de toda esta reunião. Estou mais preocupado com quem estará connosco enquanto país”, insistiu.


A família de Viktor Anisimov está em Espanha, onde deseja que ninguém conheça o que é a guerra. “Para mim, a vida tem-se dividido entre o antes e o depois, tal como para tantas pessoas na Ucrânia”, relatou, defendendo que “quem nunca esteve debaixo de fogo, nunca poderá compreender como é doloroso e devastador”.

Apesar de Anisimov querer desviar o tema do vestuário para a urgência do cessar-fogo, não há dúvidas de que a moda acarreta simbolismo na política. Com as escolhas de vestuário, Zelensky quer mostrar que está ao lado de quem está na frente do combate e não é um Presidente como os outros, que habitualmente se vestem com um fato clássico em preto ou azul-escuro. Em Março, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, mostrou-se solidário com o ucraniano ao vestir uma camisola preta por baixo do fato quando foi recebido pelos líderes europeus em Londres.

Não foi o único: antes disso, em Março de 2022, o Presidente francês, Emmanuel Macron, foi fotografado no Palácio do Eliseu numa reunião em que usava umas calças de ganga e uma camisola de capuz, o que foi interpretado pela imprensa como uma alusão à prontidão para o combate, pouco antes das eleições presidenciais francesas.