Cientistas têm uma nova pista na longa busca para decifrar o que nos torna humanos: pequenas mudanças na química cerebral que nos diferenciam de nossos primos hominínios mais próximos.

Em um estudo publicado no dia 4 deste mês no periódico PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), uma equipe internacional de pesquisadores examinou uma versão de um gene, onipresente nos humanos atuais, que não está presente em neandertais ou denisovanos.

A forma moderna do gene nos humanos atuais levou a uma enzima menos estável do que a encontrada em parentes hominínios. Quando os pesquisadores introduziram essa versão em camundongos, descobriram que, nas fêmeas, ela desencadeou uma mudança comportamental —os animais ficaram mais hábeis na busca por água.

É uma pista intrigante, não uma resposta, para a questão de como mudanças sutis na bioquímica cerebral podem ter significado a diferença entre hominínios que foram extintos e aqueles que persistiram e prosperaram.

Nos humanos atuais, mutações raras nesse gene, chamado ADSL, podem causar disfunção cerebral, incluindo sintomas semelhantes ao autismo e convulsões. Isso levou a equipe de pesquisa a questionar se uma mudança menos severa no ADSL poderia ter conferido uma vantagem cognitiva ou comportamental.

“Estou bastante convencido de que existe alguma diferença fundamental entre os humanos modernos e outras formas anteriores de humanos”, disse o geneticista Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, Alemanha, um dos líderes do estudo.

“Neandertais e denisovanos nunca se tornaram mais do que algumas centenas de milhares de pessoas em qualquer momento, sua tecnologia ao longo de centenas de milhares de anos mal mudou”, acrescentou Pääbo. “Os humanos modernos, em apenas cem mil anos, espalharam-se por todo o planeta, tornaram-se milhões e desenvolveram tecnologia e cultura que mudaram rapidamente.”

Primos neandertais

Em 2022, Pääbo ganhou o Prêmio Nobel por seu trabalho pioneiro com DNA antigo, decifrando os projetos genéticos de hominínios.

Embora nossos parentes extintos sejam frequentemente caricaturados como homens das cavernas, esse trabalho revelou que eles não eram muito diferentes de nós no nível genético. Eles se cruzaram com nossos ancestrais. Grande parte da população humana ainda possui vestígios de ancestralidade neandertal ou denisovana, duas espécies de humanos que desapareceram do planeta há cerca de 20 mil a 40 mil anos.

De muitas maneiras, isso aprofundou o mistério de por que nós sobrevivemos e eles não.

Os cientistas começaram a procurar pistas no DNA. Dos 20 mil genes que codificam proteínas, havia apenas cerca de cem mudanças nos blocos de construção de proteínas entre hominínios extintos e humanos modernos.

Em 2022, cientistas relataram que uma versão de um gene chamado TKTL1, encontrado em humanos modernos e não em neandertais, ajuda a estimular a geração de novas células cerebrais e poderia ser responsável por diferenças nas capacidades cognitivas.

No novo estudo, cientistas examinaram o ADSL. Um bloco de construção da enzima ADSL encontrado em quase todos os humanos hoje era diferente em chimpanzés, neandertais e denisovanos. Os cientistas se propuseram a entender como a função do gene se comparava.

Decifrando a função de um gene em camundongos

Como os cientistas não podem estudar um neandertal vivo, eles usaram a técnica de edição genética Crispr para inserir a versão moderna humana do gene em camundongos vivos. Eles ficaram intrigados ao descobrir que o comportamento de fêmeas mudou.

Os camundongos foram colocados em gaiolas onde aprenderam a beber água enfiando seus focinhos em dispositivos nos cantos da gaiola. Quando os pesquisadores começaram a restringir a água, descobriram que as fêmeas com o gene ADSL humano eram muito mais eficientes em acessar a água.

“Ainda é muito cedo para traduzir diretamente os achados comportamentais em camundongos para humanos, já que os circuitos neurais subjacentes a comportamentos até mesmo semelhantes ainda podem diferir entre as duas espécies. No entanto, é possível que esta mudança possa ter nos dado alguma vantagem evolutiva em tarefas específicas em relação aos humanos ancestrais”, afirmou Xiang-Chun Ju, autor do estudo e pesquisador da Unidade de Genômica Evolutiva Humana do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa.

Os pesquisadores também encontraram outras alterações genéticas comuns entre os humanos atuais que causam redução da atividade da ADSL, junto com evidências de que essas alterações foram favorecidas pela evolução, sugerindo que isso proporcionou uma vantagem ao organismo.

A neurobióloga Brigitte Malgrange, da Universidade de Liège (Bélgica), que não esteve envolvida no trabalho, disse que a mudança comportamental foi modesta e sugeriu que seriam necessárias alterações genômicas adicionais para observar efeitos maiores.

“Posso também mencionar as limitações inerentes ao modelo de camundongo, particularmente a complexidade cortical reduzida em relação aos primatas, o que pode restringir a detecção de fenótipos comportamentais semelhantes aos humanos”, afirmou ela.

A professora de bioquímica e biologia molecular Wendy Hanna-Rose, da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), pesquisa deficiências de ADSL em humanos, em parte modelando-as em vermes microscópicos.

A docente, que não participou do estudo, considerou o trabalho fascinante, destacando o que sua própria pesquisa também mostra, que as ligações entre a via metabólica afetada pelo gene ADSL e o comportamento são evolutivamente profundas.

“Nós vemos isso em vermes. Não é surpreendente ver em humanos algum tipo de ajuste disso”, afirmou Hanna-Rose.