Em entrevista exclusiva à CNN na cidade de Al-Arish, no norte do Egito, perto da fronteira com Gaza, Abdelatty afirmou que o Cairo está a trabalhar através de “diferentes canais, com um único objetivo, aliviar o fardo e o sofrimento dos palestinianos”, acrescentando que a emigração em massa de palestinianos de Gaza não seria tolerada pelo seu país.

“Não aceitaremos, não participaremos e não permitiremos que aconteça”, sublinhou Abdelatty, acrescentando que a deslocação será certamente um “bilhete só de ida” para os palestinianos saírem de Gaza, o que levaria à “liquidação” total da sua causa.

O Governo israelita nunca divulgou uma visão detalhada do que acontecerá a Gaza após a guerra, mas o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem defendido repetidamente a transferência de palestinianos de Gaza para outros países, especialmente depois de o presidente dos EUA, Donald Trump, ter apresentado a ideia no início deste ano. Mas mesmo depois de Trump parecer arrefecer a proposta, as autoridades israelitas acolheram-na bem.

Desde o início da guerra que Israel tem cercado os mais de dois milhões de palestinianos em Gaza, que, segundo a ONU, correm o risco de morrer de fome. Israel tem rejeitado repetidamente as acusações de fome deliberada e afirma estar a trabalhar para permitir a entrada de mais ajuda humanitária no território palestiniano.O Egito é o único acesso de Gaza ao exterior, uma vez que Israel bloqueou o território por terra, mar e ar.

O Cairo tem sofrido uma intensa pressão pública para aliviar o sofrimento dos palestinianos e tem repetidamente responsabilizado Israel pelo bloqueio da ajuda humanitária, enquanto milhares de camiões permanecem retidos na sua fronteira.

Questionado sobre se a guerra põe em risco o tratado de paz entre o Egito e Israel, Abdelatty afirmou que o Cairo está a “respeitar e a honrar os (seus) compromissos de acordo com o tratado de paz”, mas acrescentou que “qualquer tipo de deslocação seria um grande risco e não permitiremos que nenhuma parte arrisque a nossa segurança nacional e a nossa soberania, na nossa fronteira“.

Os alertas do ministro são dos mais severos desde que Israel afirmou, na passada semana, estar em negociações com vários países sobre o acolhimento de palestinianos deslocados pela guerra.

Se os israelitas conseguirem deslocá-los, posso garantir que será o fim da causa palestiniana“, realçou o ministro dos Negócios Estrangeiros.O Egito foi a primeira nação árabe a reconhecer Israel em 1979.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, revelou que existem negociações em curso com vários países sobre o acolhimento de palestinianos deslocados.


Os países envolvidos são o Sudão do Sul, a Somalilândia, a Etiópia, a Líbia e a Indonésia, disse uma alta autoridade israelita à CNN. 
Em troca do acolhimento de parte da população de
Gaza, de mais de dois milhões de pessoas, a autoridade disse que os
países procuram “compensações financeiras e internacionais
significativas”.


Não é claro quão avançadas estão estas discussões e se provavelmente se concretizarão. O Sudão do Sul rejeitou os relatos anteriores de que estaria em discussões sobre o realojamento de palestinianos, afirmando que eram “infundados”.

A Indonésia afirmou estar pronta para receber dois mil palestinianos de Gaza para tratamento, mas que regressariam a Gaza assim que recuperassem.

No início deste ano, a Somalilândia afirmou também que não houve negociações deste tipoSem parceiro para a paz

Abdelatty afirmou que, embora o Egito mantenha contacto com Israel nos níveis de segurança e inteligência, não viu qualquer desejo por parte do establishment político de concluir a guerra.

Infelizmente, não temos um parceiro em Israel neste momento para a paz e a solução de dois Estados”, disse. “Temos ministros no gabinete israelita que não acreditam na solução de dois Estados”.Ministros de extrema-direita israelitas, incluindo o
ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, e o das Finanças,
Bezalel Smotrich, apelaram à expansão da guerra em Gaza e à emigração
dos palestinianos do enclave, o que, segundo os críticos, equivale a uma
limpeza étnica.

Abdelatty afirmou que as negociações para um cessar-fogo e um acordo sobre reféns estão, no entanto, em curso, acrescentando que “chegámos a um entendimento sobre a maioria das questões em curso” em relação à última proposta apresentada pelo enviado especial dos EUA, Steve Witkoff.

No mês passado, EUA e Israel convocaram as suas equipas de negociação do Catar, onde decorriam as negociações, com Witkoff a afirmar que a mais recente resposta do Hamas “demonstra claramente uma falta de desejo de se chegar a um cessar-fogo”.

O ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros afirmou que o Cairo é a favor de um acordo abrangente que ponha fim à guerra, traga de volta os reféns, liberte os prisioneiros palestinianos e permita o fluxo de ajuda. A exigência de Israel de desarmar imediatamente o Hamas é, segundo ele, uma condição “impossível” nesta fase das negociações.O Egito há muito que clama pela unidade palestiniana
sob a égide da Autoridade Palestiniana, que perdeu o controlo da Faixa
de Gaza em 2007 para o movimento islâmico Hamas.

Israel insiste em desarmar já o Hamas. Quem o fará? Como podemos fazer isto em terra?”, questionou, acrescentando que Telavive tentou eliminar o grupo através de uma campanha de bombardeamentos de 22 meses, mas mesmo assim falhou.

Precisamos de pressionar agora (por um acordo)”, declarou Abdelatty. Atualmente, existe uma delegação do Hamas no Cairo, disse, e estão em curso negociações com os cataris, os norte-americanos e os israelitas.

Podemos chegar a um acordo se tivermos vontade política”.

Segundo o governante, o Egito está “pronto” para se juntar a qualquer força internacional que possa ser enviada para Gaza, enquanto uma nova proposta de tréguas no território palestiniano era transmitida ao Hamas, no Cairo.

“Estamos prontos para contribuir com qualquer força internacional que possa ser enviada para Gaza”, desde que seja baseada numa “resolução do Conselho de Segurança, num mandato claro e faça parte de uma perspetiva política”, declarou Abdelatty.

O Cairo está também “pronto para contribuir com qualquer esforço internacional para o estabelecimento de um Estado palestiniano”, acrescentou o ministro egípcio.Até à data, os esforços dos mediadores — Egito,
Catar e Estados Unidos — não conseguiram alcançar um cessar-fogo
duradouro na guerra de 23 meses que assola a Faixa de Gaza, que a ONU
considera ameaçada pela “fome generalizada”.

Segundo a CNN, na segunda-feira, dezenas de camiões de ajuda humanitária estavam alinhados nas estradas para a passagem de Rafah com Gaza, onde muitos comboios de camiões permaneceram parados durante semanas ou mesmo meses, causando muitas vezes o desperdício de alimentos essenciais.

A Amnistia Internacional acusou Israel de conduzir uma “campanha deliberada de fome” em Gaza, com o objetivo de “destruir sistematicamente a saúde, o bem-estar e o tecido social da vida palestiniana”. 

Abdelatty disse que há cinco mil camiões no lado egípcio da passagem à espera de entrar na faixa bloqueada, mas que “os israelitas não estão a permitir que entrem”.