Ainda no aeroporto e já se ouviam tiros. Venâncio Mondlane foi recebido por dezenas de apoiantes à chegada a Maputo de uma curta viagem ao exterior que junto com o político festejavam a criação do novo partido Anamola enquanto a polícia disparava no exterior. Com a bandeira da nova composição partidária na mão, o político moçambicano garantiu que o tempo em que os moçambicanos eram esquecidos está a “passar para o passado” e repetia que está “pela paz”.

Mas enquanto se dirigia aos jornalistas, cerca das 15h45 locais (14h45 em Lisboa) ouviam-se fora do aeroporto — cujo acesso está condicionado pela polícia — disparos pela Unidade de Intervenção Rápida, numa aparente tentativa de travar o acesso de mais pessoas, apoiantes do ex-candidato presidencial nas eleições gerais de 9 de outubro, à infraestrutura, também fazendo uso de gás lacrimogéneo.

Quando saiu do aeroporto os tiros continuaram. “Nunca inalei tanto gás lacrimogéneo como hoje. Chegámos, povo estava eufórico, cantou-se o hino nacional, fiz o discurso e quando ia a sair do aeroporto e o povo seguia a minha viatura com entusiasmo, a polícia desatou aos disparos, balas verdadeiras e gás lacrimogéneo”, contou Venâncio Mondlane ao Observador.

“Ao longo do trajeto do aeroporto até a casa eram muitos disparos de bombas de gás lacrimogéneo para o interior das casas com vista a impedir as pessoas de sair e celebrar” o novo partido, acrescentou o político. O Anamola foi autorizado na semana passado pelo Governo moçambicano, o qual diz estar aberto a uma “frente comum” da oposição, traçando já como meta as eleições autárquicas, dentro de três anos.

“Em 2028, com Anamola, os municípios todos, vamos limpar”, disse Venâncio Mondlane aos jornalistas no aeroporto. O ex.candidato presidencial de 2024, que nunca aceitou os resultados oficiais que deram a vitória da Daniel Chapo, da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique, no poder há 50 anos), concorreu, em 2023, pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) à autarquia de Maputo garantindo ter vencido, contra o candidato da Frelimo.

O Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos de Moçambique aceitou em 15 de agosto o pedido de registo do partido de Venâncio Mondlane, que deu entrada em abril, disse à Lusa o seu mandatário judicial, Mutola Escova.

Moçambique viveu desde as eleições gerais de 09 de outubro um clima de forte agitação social, com manifestações e paralisações convocadas por Mondlane, que rejeita os resultados eleitorais que deram vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frelimo, partido no poder.

Segundo organizações não-governamentais que acompanham o processo eleitoral, morreram cerca de 400 pessoas em confrontos com a polícia, conflitos que cessaram após dois encontros entre Mondlane e Chapo, com vista à pacificação do país.

O ex-candidato presidencial anunciou em 07 de agosto que alterou a designação do seu partido, passando de Anamalala para Anamola, após pedido do Governo moçambicano, que considerou que a anterior sigla carregava “um significado linguístico”.

Anamalala significa “vai acabar” ou “acabou”, expressão usada por Venâncio Mondlane durante a campanha para as eleições gerais de 09 de outubro de 2024 – cujos resultados não reconhece – e que se popularizou durante os protestos por si convocados nos meses seguintes.

A informação da alteração para Anamola, significando igualmente Aliança Nacional para um Moçambique Livre e Autónomo, constava do recurso que o antigo candidato presidencial submeteu no mesmo dia ao Conselho Constitucional (CC), por considerar então que o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religioso não respondeu no prazo legal ao pedido para a constituição da formação partidária.

Num ofício do ministério, assinado pelo ministro Mateus Saíze, com data de 28 de maio e que a Lusa noticiou nessa altura, era referido que o termo “Anamalala”, proposta de acrónimo de Aliança Nacional para um Moçambique Livre e Autónomo, é proveniente da língua macua, falada em Nampula, norte do país, “e por isso já carrega um significado linguístico para a comunicação dos que nela se expressam”.