Ao reduzir o lítio a uma “gota”, o objetivo é preservar suas propriedades neuroprotetoras e, ao mesmo tempo, evitar os efeitos adversos que geralmente ocorrem com doses mais altas, como distúrbios da tireoide ou dos rins.
Gabriela Aceitón Cortés Meteored Chile 19/08/2025 16:49 5 min
A demência não surge da noite para o dia; ela começa com pequenos esquecimentos. Um compromisso perdido, uma palavra difícil de encontrar, um rosto que leva tempo para reconhecer.
Para aqueles que sofrem com ela e suas famílias, essa deterioração é como assistir a uma história de vida desaparecer lentamente. Nesse cenário, a ciência busca estratégias para retardar a progressão da perda cognitiva.
E é no Chile que um grupo de pesquisadores quer testar uma ideia nada convencional: usar pequenas doses de lítio, um mineral que normalmente associamos à mineração e às baterias, para proteger a memória de pessoas com depressão ou transtorno bipolar.
Saúde mental e memória: uma ligação mais próxima do que parece
Viver com depressão ou transtorno bipolar não significa apenas enfrentar altos e baixos emocionais. Evidências mundiais mostram que aqueles que sofrem dessas doenças têm até quatro vezes mais chances de desenvolver demência do que a população em geral.
“Está comprovado que pessoas com transtornos de humor apresentam um risco significativamente maior de doenças neurodegenerativas. No entanto, em pacientes tratados com lítio, esse risco diminui para o nível da população em geral” – Paul Vöhringer, psiquiatra e líder do estudo.
A ideia de usar esse mineral não surgiu do nada. Em 2007, um estudo suíço já havia demonstrado que pacientes bipolares tratados com lítio por décadas apresentavam menor prevalência de Alzheimer.
E no norte do Chile, a região de Tarapacá oferece um caso único. Lá, a água potável contém naturalmente altas concentrações de lítio, e a prevalência de demência é quase a metade da média nacional.
Lítio em gotas, a aposta chilena
O ensaio clínico, publicado na revista International Journal of Clinical Trials, inclui 250 pessoas entre 55 e 75 anos com depressão grave ou transtorno bipolar.
Metade receberá 50 mg de lítio por dia — uma quantidade muito menor do que a usada em psiquiatria — e a outra metade receberá um placebo.
Conforme explicado no estudo, a memória, a concentração e outras funções cognitivas serão avaliadas por cinco anos.
Com essa estratégia, o grupo busca testar se essas microdoses atuam como um “microescudo” contra o comprometimento cognitivo leve, o estágio intermediário entre o envelhecimento normal e a demência.
Do salar ao cérebro: um novo destino para o lítio
O lítio aparece frequentemente em manchetes sobre economia e tecnologia. É o “ouro branco” das baterias e um dos recursos mais cobiçados no norte do Chile. Mas, neste caso, a ciência o encara de forma diferente.
“O que estamos avaliando é se uma dose mínima de lítio pode retardar a progressão para a demência. E, nesse sentido, o lítio pode se tornar uma espécie de vacina contra a demência” – disse Vöhringer.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que mais de 55 milhões de pessoas vivem atualmente com demência em todo o mundo, com quase 10 milhões de novos casos a cada ano. Nesse contexto, o lítio, que é barato e amplamente disponível, pode ajudar a reduzir esses números.
A pesquisa avança lenta e rigorosamente, como exige a ciência, mas com uma intuição ousada: a de que um elemento escondido no solo chileno poderia ajudar a sustentar o elemento mais frágil da mente: a memória.
Referências da notícia
Trace-dosage of lithium for prevention of cognitive declining in mood illnesses: a randomized double-blind, placebo-controlled, study protocol. 28 de abril, 2025. Vöhringer, et al.
Rayén Sepúlveda. (2025). UCHILE impulsa estudio pionero para prevenir la demencia con microdosis de litio. Publicado na seção de notícias da Instituição.
OMS. (2025). Dementia. Publicado no site da Instituição.
Servicio Nacional de Salud del Reino Unido. About lithium. Publicado no site da Instituição.