Os fardos de plástico formam parte da paisagem da unidade de reciclagem da Micronipol Becomes Veolia, em Freixianda, no concelho de Ourém: são estruturas altas, com uma geometria algo rectangular, de diferentes aspectos, conforme o tipo de plástico que agregam. Alguns são formados por embalagens – detergentes vários, iogurtes, boiões – esmagadas e apertadas entre si. Outros fardos parecem ser feitos de sacos de plástico. Outros são um amontoado de redes de pesca, sem grande forma.
Quem caminha ao lado destas estruturas apercebe-se do seu carácter comprimido, onde objectos individuais se diluem numa nova textura, embrulhada em sujidade e cheiro, que revela algo sobre a materialidade artificial do plástico, o uso banal que os humanos fazem de muito deste material e o problema incómodo deste resíduo enquanto poluente em massa.
Só em 2023, o mundo produziu 374,2 milhões de toneladas de novo plástico (mais 140 milhões de toneladas do que em 2000) e 36,2 milhões de toneladas de plástico reciclado através de técnicas mecânicas (as mais usadas), o equivalente a 8,75% do total de plástico produzido. Para se ter uma ideia da evolução da reciclagem nos últimos anos, entre 2018 e 2023 houve mais 6,2 milhões de toneladas de plástico reciclado produzido. No entanto, durante o mesmo período, produziram-se mais 34,8 milhões de toneladas de novo plástico, não reciclado. Ou seja, a distância entre o que é produzido e o que é reciclado vai sendo cada vez maior.
Fardos de plástico prontos para irem para a reciclagem
MIGUEL A. LOPES/Lusa
Estes números mostram algo sobre o desafio de travar a poluição por plástico, um problema que foi discutido na segunda parte da 5.ª sessão do Comité Intergovernamental de Negociação das Nações Unidas (INC-5.2, na sigla em inglês) para a elaboração de um tratado sobre os plásticos, que se realizou em Genebra, na Suíça, entre 5 e 14 de Agosto. No entanto, os países não atingiram um consenso sobre o tratado.
Uma nova vida
Mas os fardos à nossa volta integram um esforço que quer fazer parte da solução. À sua frente, estará um processo de lavagem, trituração e extrusão, que vai dar uma nova vida a este material.
“Cada quilo de plástico que reciclamos é um quilo que não está algures no ambiente”, resume Sandra Silva, directora de resíduos da Veolia Portugal, dando o tom à visita dos jornalistas feita há alguns meses àquela unidade. A visita foi promovida pela Electrão, entidade gestora de resíduos.
A Veolia é uma empresa de gestão de água e de resíduos, e de serviços de energia. Nascida em França, a multinacional tem várias sucursais, incluindo a portuguesa que foi criada em 1992. Em 2024, a sucursal portuguesa comprou a Micronipol, que agora se chama “Micronipol Becomes Veolia”. “A aquisição da Micronipol veio pôr a Veolia em Portugal no mapa do ciclo fechado do plástico da Veolia a nível do grupo e reforça a posição da Veolia em termos de mercado europeu”, diz Sandra Silva.
Naquela unidade, são reciclados três dos vários tipos de plásticos existentes: o polietileno de alta densidade, mais resistente e usado para produzir vários tipos de embalagens, de champôs a detergentes; o polietileno de baixa densidade, de onde vêm os sacos de plástico; o polipropileno, que serve para produzir canos e tampas de garrafa, por exemplo.
Quanto mais reciclagem tivermos, menos matéria-prima virgem é reintegrada [na produção de plástico]
Sandra Silva, directora de resíduos da Veolia Portugal
“Produzimos anualmente do nosso produto granulado cerca de 15 mil toneladas por ano, 40% é para exportação”, explica aos jornalistas Paulo Ferreira, director comercial da Micronipol Becomes Veolia. A origem destes resíduos vem do sector urbano – neste caso, a empresa compra às entidades gestoras de resíduos, como a Electrão –, e do sector não urbano, como a indústria e o comércio.
Lixo em português
Em 2023, os portugueses produziram 5,34 milhões de toneladas resíduos urbanos, dos quais 10,8% são plástico, o equivalente a 576 mil toneladas, de acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente. Já o sector não urbano produziu no mesmo ano 15 milhões de toneladas de resíduos, adianta Sandra Silva.
“Isto significa que, por cada tonelada de resíduos urbanos que produzimos, deixamos na produção e comercialização dos produtos que deram origem aos nossos resíduos três vezes aquilo que vai sair da nossa produção de resíduos”, aponta a responsável. “Temos atrás de nós uma pegada de resíduos que foram necessários para a produção dos produtos que nós temos.”
A nível pessoal, cada cidadão em Portugal produz em média 505 quilos de resíduos urbanos por ano, cerca de 50 quilos serão plásticos. Em 2024, entraram 100.552 toneladas de embalagens de plástico nos ecopontos, segundo o sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens (SIGRE), o equivalente a 13 quilos por capita. Ou seja, longe de todos os resíduos urbanos de plástico produzidos.
“A nossa posição é de incentivo à reciclagem. Quanto mais reciclagem tivermos, menos matéria-prima virgem é reintegrada [na nova produção de plástico]”, defende Sandra Silva.
O som da reciclagem
Na unidade da Micronipol, os processos que o plástico atravessa para ser reciclado são mecânicos e térmicos. Ocorre a fragmentação do plástico, a lavagem, o aquecimento para ele se fundir, mas não há uma alteração química. Ou seja, as moléculas que compõem o plástico não são transformadas em novas moléculas.
Dentro da unidade, o resultado imediato daqueles processos é um ruído constante de máquinas a fazerem o seu trabalho ao longo de vários salões. O material começa por passar primeiro numa guilhotina, para ser cortado em pedaços mais pequenos, e de seguida no tromel, que é um crivo rotativo que deixa cair pedras e outros materiais pesados. A seguir vem a triagem manual, em que são retirados outros materiais contaminantes: papel, cartão, metais e plásticos de outras categorias que não vão ser reciclados.
Estes passos são importantes, é necessário evitar ao máximo que o plástico reciclado esteja contaminado com outros materiais. É dessa forma que se garante a sua qualidade e pureza, para se poder transformar em algo novo. Justamente por nunca ser 100% puro, o plástico reciclado tem de ser usado numa determinada percentagem com plástico novo quando é usado na produção de muitos dos objectos.
Depois da descontaminação, o material passa pela primeira lavagem e sofre um processo de decantação: os polietilenos são menos densos do que a água e sobrenadam, podendo ser retirados. Nos passos seguintes, os polietilenos passam por uma moagem, uma segunda lavagem (foi recordado aos jornalistas que não é necessário lavar os plásticos antes de serem colocados na reciclagem, já que eles são lavados durante o processo) e são desidratados, para entrarem na segunda fase.
Plástico, poesia e poluição
Após a secagem, uma mangueira comprida deixa cair um amontoado de pequenos flocos numa passadeira rolante. Alguns deles, brancos, voam para fora e caem leves como se fossem neve, numa poesia misteriosa e descontextualizada da paisagem sonora envolvente.
A materialidade do plástico reveste-se desse mistério que chama a atenção para uma contradição. Ao longo da visita, os objectos sujos e empilhados são transformados em diferentes formas: cortados em pedaços, depois moídos em flocos, moldados como se fossem uma massa (já lá vamos), cortados em granulado. Parte deles é micronizada – ou seja, moída em grãos microscópicos. É assim que fica pronta para ser moldada, de novo, em objectos.
Assim, o plástico vai-se parecendo com neve, com contas, com farinha, como se fizesse parte dos grandes ciclos da natureza. Mas permanece imutável na sua constituição molecular, possibilitando uma vantagem plástica, um potencial prático, que permitiu que se tenha introduzido em todos os recantos do mundo dos objectos humanos. No entanto, é essa mesma resistência que o torna um composto não degradável. O plástico fragmenta-se, sim, transformando-se em microplástico, mas tem uma enorme dificuldade em se integrar na constituição natural da vida. E por isso vai penetrando nos ecossistemas da Terra, da Antárctida ao cérebro humano, poluindo e causando danos, sem qualquer poesia.
Os flocos de plástico já passaram por um processo de limpeza e corte, agora estão prontos para a fase de extrusão
MIGUEL A. LOPES/Lusa
É esse problema que muitos países querem começar a resolver com um tratado sobre os plásticos, que está a ser discutido desde Novembro de 2022, sem grande sucesso. Na Conferência do Oceano das Nações Unidas, ocorrida em Junho, na França, 95 países assinaram a Declaração de Nice, numa tentativa para pressionar a redução global da produção e consumo de plásticos para níveis sustentáveis e eliminar progressivamente químicos problemáticos durante aquela produção, entre outras demandas. Esta vontade vai contra a indústria petrolífera e muitos países produtores de petróleo, que querem apenas regular os resíduos. Em Agosto, perante o bloqueio dos Estados Unidos e de outras nações produtoras de petróleo, as negociações para um tratado vinculativo voltaram a falhar.
Equilíbrio ambiental
Sandra Silva defende a importância dos plásticos para muitas situações, como na manutenção das condições sanitárias dos hospitais. “Não queremos andar para trás neste progresso”, defende, adiantando que o problema pode ser enfrentado com novas formas de plástico, como o biológico. Mas não é uma solução linear.
“Temos de arranjar materiais alternativos que não sejam piores para o ambiente, porque temos de ter sempre um compromisso entre de onde é que vem a matéria-prima para fazer este novo plástico” e o impacto que tem no ambiente, diz. “Não podemos começar a ocupar campos agrícolas para produzir plástico biológico em vez de alimentos”, exemplifica a empresária.
Os nossos clientes fazem os sacos do lixo de resíduo hospitalar, cordas, os vasos, os tubos de rega gota a gota, embalagens, detergentes
Paulo Ferreira, director comercial da Micronipol Becomes Veolia
Este equilíbrio estreito, que se estende a outros tipos de consumo, como o da energia e de alimentos, não parece fácil de ser alcançado num planeta com mais de oito mil milhões de humanos. De qualquer forma, no caso da poluição por microplásticos, a Veolia acredita que a tecnologia pode dar respostas.
“Uma das barreiras que podemos ter para evitar que os microplásticos cheguem ao ambiente é no saneamento e nas águas residuais”, defende Sandra Silva. “A probabilidade de os microplásticos entrarem numa ETAR [estação de tratamento de águas residuais] é elevadíssima. Estamos a trabalhar em investigação e desenvolvimento para, ao nível do tratamento dos efluentes, conseguir fazer a retenção dos microplásticos.”
Diferentes cores
Voltando à unidade de reciclagem, o amontoado de flocos de plástico na passadeira rolante destina-se ao processo de extrusão, onde é submetido a uma temperatura em que o plástico se torna pastoso. No caso do polietileno de baixa densidade, a temperatura atinge os 140 graus Celsius, no de alta densidade, tem de ir até aos 260 graus.
O estado pastoso permite o material ser empurrado por uma fieira, como se fosse esparguete, para depois atravessar uma estrela com lâminas, que transforma “o esparguete” no tal granulado. Por fim, o granulado é arrefecido com água para solidificar e é centrifugado para retirar o excesso de água.
Enquanto o plástico de polietileno de baixa densidade é branco, o de alta densidade é de várias cores e é possível separá-las durante o processo. Há granulado azul, vermelho, roxo, amarelo, preto e branco. Já o polipropileno é só de cor preta. Estas variações podem ter importância para o destino final deste material.
Depois, o material está pronto para ser usado, nas suas variadas formas, entrando de novo no ciclo do consumo e evitando alguma produção de plástico novo. “Os nossos clientes fazem os sacos do lixo de resíduo hospitalar, cordas, os vasos, os tubos de rega gota a gota, embalagens, detergentes”, enumera Paulo Ferreira, exemplificando algumas das finalidades do plástico produzido ali. “As embalagens já não têm aquela cor branca, branca. Já começam a ser um bocadinho acinzentadas – porque têm a integração de material reciclado.”