A pedido de várias publicações internacionais, incluindo jornais como o New York Times ou o Independent, a Casa Branca providenciou uma lista das guerras que Trump teria conseguido resolver. São elas: Arménia e Azerbaijão; República Democrática do Congo e Ruanda; Índia e Paquistão; Israel e Irão; Camboja e Tailândia; Egito e Etiópia. Em alguns casos, recebe os créditos por contribuir para desbloquear impasses prolongados; noutros o seu papel é rejeitado ou pouco claro. Há ainda casos em que os confrontos prosseguem apesar de acordos de cessar-fogo e outros que são descritos como um “alívio temporário” e não uma paz duradoura. Apesar disso, Trump tem reiterado que já deveria ter recebido “quatro ou cinco vezes” o Prémio Nobel da Paz.
A 8 de agosto, o Presidente norte-americano recebeu na Casa Branca o Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, e o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinyan. Nesse encontro, descrito como histórico, Donald Trump presidiu à assinatura de uma declaração conjunta de paz para pôr fim ao conflito de cerca de quatro décadas entre as duas ex-repúblicas soviéticas.
Os dois vizinhos estão em guerra desde o final dos anos 80 sobre o controlo de Nagorno-Karabakh, uma região montanhosa onde os dois maiores grupos étnicos são os arménios e os azeris. O território é reivindicado pela Arménia e pelo Azerbaijão desde a queda do império russo. É o conflito “mais antigo da Eurásia pós-soviética”, segundo o Crisis Group. Em 2023 iniciou-se um novo capítulo conturbado, quando as tropas de Baku assumiram controlo total da região, levando à fuga de quase 100 mil arménios.
O encontro organizado pela administração norte-americana visou pôr fim ao conflito, que chegou a ser mediado pelo Kremlin. Mas, desde a invasão em larga escala da Ucrânia, a atenção da Rússia sobre a região diminuiu.
Na declaração conjunta ficou estabelecido que os dois países renunciam a todas as reivindicações sobre o território do vizinho; se abstêm de usar a força um contra o outro; e se comprometem a respeitar o direito internacional, segundo o texto assinado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros das duas ex-repúblicas soviéticas e publicado dias depois do encontro na Casa Branca. Como parte do acordo, a Arménia comprometeu-se a conceder aos EUA o direito a desenvolver um importante corredor de trânsito no seu território com o nome “Rota Trump para a Paz e Prosperidade Internacional”.
“Foi muito tempo, 35 anos; eles lutaram, e agora são amigos, e vão ser amigos durante muito tempo (…). Muitos tentaram encontrar uma resolução, incluindo a União Europeia. Os russos trabalharam muito nisso; nunca aconteceu. O dorminhoco Joe Biden tentou, mas sabem o que aconteceu aí”, afirmou o líder dos EUA ao lado de Aliyev, que destacou o “milagre” operado por Trump e Pashinyan, que salientou o “marco significativo”.
Ambos os líderes sublinharam que o Presidente norte-americano devia receber o Prémio Nobel da Paz pelo seu papel na mediação. No entanto, ainda não foi assinado um acordo de paz. O Azerbaijão exige que a Arménia altere a sua Constituição, em que Baku considera estar implícita uma reivindicação ao seu território. As forças do Azerbaijão também ainda ocupam atualmente pequenas áreas do território da Arménia, citando motivos de segurança.
Alguns especialistas têm alertado que, mesmo perante a evolução rumo a um acordo, a região vai continuar a precisar da atenção de Trump. “Desejos e declarações verbais não são suficientes”, escreveram dois antigos embaixadores norte-americanos num recente artigo no Atlantic Council. No texto, em que referem que a declaração “avançou a paz”, sublinham que Washington “não pode desistir agora”.
O Camboja e a Tailândia são considerados rivais há décadas no Sudeste Asiático. No final do mês de julho, os dois países envolveram-se durante vários dias em confrontos que levaram à morte de pelo menos 42 pessoas e provocaram 300.000 deslocados. Há cerca de 14 anos os dois países tinham-se envolvido em confrontos perto de espaços religiosos, que resultaram em cerca de 20 vítimas mortais e na deslocação de dezenas de milhares que vivem perto da fronteira.
A rivalidade dos dois países tem origem num acordo assinado em 1907 pela monarquia de Sião (a antiga designação de Tailândia) com França, que estipulava as fronteiras entre o país e o que hoje corresponde ao Camboja, cujos territórios foram controlados pelos franceses até 1953. No centro da disputa há também vários templos hindus, como o Prasat Ta Moan Thom e o Preah Vihear, ambos localizados perto da fronteira entre os dois países.
Quando os confrontos deste ano irromperam, houve um primeiro contacto das autoridades da Malásia e depois da China. Numa altura em que a administração norte-americana estava a negociar acordos comerciais com vários países, Trump usou as tarifas como arma. O Presidente dos EUA explicou que disse aos líderes da Tailândia e do Cambodia que iria travar as negociações sobre os acordos se os dois países não alcançassem um cessar-fogo.
Num exclusivo da Reuters sobre como foi possível quebrar o impasse lê-se que Trump ligou ao primeiro-ministro tailandês no dia 26 de julho. No dia seguinte estava a anunciar ao mundo que os dois países tinham concordado negociar um cessar-fogo e ameaçou que Washington não iria avançar com negociações de tarifas até que a situação fosse resolvida.
A 28 de julho uma delegação do Cambodia e outra da Tailândia reuniram-se na Malásia e chegaram a um acordo de cessar-fogo após cinco dias de confrontos. Lim Menghour, funcionário do governo de Phnom Penh que trabalha com política externa, disse, citado pela Reuters, que o país aceitou a oferta inicial da Malásia para conversações, mas que a Tailândia não se mexeu até à intervenção de Trump. Já o governo da Tailândia manteve sempre um canal aberto com a China, que mostrou interesse em mediar a paz, segundo explicou o primeiro-ministro Hun Manet, um dos líderes que nomeou Trump para o Prémio Nobel da Paz. A CNN recorda também a intervenção da Associação das Nações do Sudeste Asiático.
Mais uma rivalidade histórica, desta vez entre duas potências nucleares. A tensão aumentou no final de abril deste ano na região de Caxemira, que é reivindicada pelos dois países e já levou a três guerras em larga escala. Atualmente, o território está dividido em três zonas: uma indiana, uma paquistanesa e outra chinesa.
Os confrontos de 2025 começaram depois do ataque de 22 de abril a uma estância turística na parte da região administrada pelas autoridades indianas e que foi levado a cabo pela Frente da Resistência, um grupo relativamente desconhecido que tem atacado alvos hindus na Caxemira indiana. Foram alvejados 26 homens, 25 dos quais cidadãos indianos hindus. As autoridades de Nova Deli acusaram o Paquistão de estar por trás do ataque e de ter apoiado o grupo, alegações que Islamabad rejeitou.
Não convencida, a Índia tomou numa primeira fase uma série de medidas: deu 48 horas para que todos os cidadãos paquistaneses saíssem de território indiano; suspendeu a emissão de vistos; fechou fronteiras e expulsou diplomatas do Paquistão; suspendeu a sua participação num tratado de partilha de água (algo que poderia alterar os caudais dos rios e criar graves perturbações no abastecimento de água em território paquistanês); iniciou exercícios militares perto da Linha de Controlo e reforçou a sua presença na região.
Em pouco tempo a Linha de Controlo foi palco de várias provocações militares. No dia 9 de maio cinco civis, incluindo uma criança de dois anos, foram mortos na Caxemira paquistanesa por fogo de artilharia indiana, segundo denunciaram as autoridades à AFP. O exército indiano tinha informado no mesmo dia que as forças armadas indianas tinha respondido “adequadamente aos disparos não provocados do exército paquistanês” ao longo da Linha de Controlo. Os confrontos foram descritos como os mais graves das últimas duas décadas, provocando dezenas de mortes civis de ambos os lados.
Onde é que entra Donald Trump? Os relatos divergem. Horas depois de o Paquistão anunciar uma operação militar contra a Índia, o Presidente norte-americano revelou na sua conta pessoal da Truth Social que Nova Deli e Islamabad tinham firmado um cessar-fogo “total e imediato”. “Evitámos um conflito nuclear. Penso que poderia ter sido uma guerra nuclear grave, milhões de pessoas poderiam ter sido mortas, por isso estou muito orgulhoso”, diria mais tarde a partir da Casa Branca.
A Índia reconhece que Trump interveio, mas garante que negociou diretamente com o Paquistão para pôr fim aos confrontos. Sublinha também que as autoridades de Islamabad pediram um cessar-fogo sob pressão dos ataques indianos. As autoridades paquistanesas negam, tendo agradecido a Trump pelo seu contributo e garantido que vão nomear o líder norte-americano para o Prémio Nobel da Paz.
No final de janeiro, Goma, uma cidade rica em minerais na República Democrática do Congo, foi ocupada pelo M23 — grupo insurgente apoiado pelo Ruanda. Depois da revolta contra o governo ter falhado em 2012, os rebeldes, que se tinham mantido afastados dos holofotes, procuraram reconstruir-se. Em 2022, lançavam uma nova ofensiva e começavam a ocupar territórios na região leste do país.
O avanço em Goma, como o Observador explicava neste especial, foi desencadeado por negociações falhadas entre o Presidente da RD Congo, Félix Tshisekedi, e o Presidente do Ruanda, Paul Kagame. O processo estava a ser mediado por Angola, mas no final do ano passado Kagame recusou aparecer num dos encontros, criticando o líder congolês pela falta de resultados.
Têm sido muitas as tentativas para mediar o conflito, envolto em interesses políticos, económicos e securitários. Em junho, Donald Trump recebeu na Casa Branca delegações dos dois países, que assinaram um acordo que prevê o respeito pela integridade territorial e o fim das hostilidades. O documento, assinado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países africanos também ajudará as empresas norte-americanas a obter acesso a minerais essenciais necessários para grande parte da tecnologia mundial, como o cobalto.
“Estamos a receber, para os Estados Unidos, muitos dos direitos minerais do Congo”, sublinhou Trump antes de cerimónia para firmar o acordo, que descreveu como um “triunfo glorioso”. Apesar de terem sido os EUA a mediar o acordo, o Qatar está a promover conversações. Esta segunda-feira foi marcada por um encontro de delegações do Congo e Ruanda em Doha, no qual foi assinada uma declaração de princípios em que os países se comprometiam a pôr fim aos combates e alcançar um acordo de paz, noticiou a Al Jazeera.
Apesar do acordo promovido por Trump, os combates têm continuado. Num relatório publicado a 6 de agosto, o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) indicavam ter recebido relatos em primeira mão de que pelo menos 319 civis foram mortos por combatentes do M23, auxiliados por membros da Força de Defesa de Ruanda, entre 9 e 21 de julho na província de Kivu. Além disso, o grupo de rebeldes abandonou as negociações de paz com o governo da República Democrática do Congo.
Não é um conflito militar, mas diplomático. No centro da discussão está a barragem hidroelétrica da Etiópia no rio Nilo, o maior projeto de produção desta energia em África. O Egito tem denunciado repetidamente que o projeto pensado por Adis Abeba é uma ameaça ao abastecimento de água no país, um aviso a que o Sudão também se tem aliado.
O primeiro-ministro da Etiópia anunciou a 3 de julho que a barragem, localizada no Nilo Azul, na fronteira entre a Etiópia e o Sudão, foi terminada. “Aos nossos vizinhos a jusante — Egipto e Sudão — a nossa mensagem é clara: a Barragem Renaissance não é uma ameaça, mas uma oportunidade partilhada … A energia e o desenvolvimento que vai gerar irão elevar não só a Etiópia”, garantiu, citado pela Al Jazeera. Prevê-se que a barragem produza cerca de 5.000 megawatts (MW), o dobro da atual capacidade de produção de Adis Abeba.
O conflito não evoluiu até agora para confrontos, mas o Presidente dos EUA chegou a avisar no seu primeiro mandato na Casa Branca que o Egito poderia “rebentar” com a barragem.
A 29 de junho, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Egito anunciou que as conversações com a Etiópia sobre a barragem tinham cessado. Trump sublinhou que vai resolver o assunto rapidamente, reivindicando também a manutenção da paz entre o Egito e a Etiópia. Para já nenhum acordo formal foi alcançado entre o Egito e a Etiópia para resolver as suas diferenças.
Na lista de guerras da Casa Branca sobre os conflitos que o Presidente norte-americano parou ou impediu consta também a Sérvia e o Kosovo. Porém, não houve ameaças de guerra entre os dois vizinhos durante o segundo mandato de Trump.
Kosovo, uma antiga província da Sérvia, declarou em 2008 a sua independência, sendo reconhecida por 100 países, mas não por Belgrado. As tensões são persistentes, mas não chegaram ao ponto de um conflito armado. Pristina conta atualmente com uma força de manutenção da paz da NATO, que tem sido reforçada em momentos mais sensíveis.
“A Sérvia e o Kosovo não estão a lutar nem a disparar um contra o outro, então não há uma guerra para acabar”, sublinhou à BBC Margaret MacMillan, historiadora e antiga professora da Universidade de Oxford. Questionada pela estação televisiva britânica, a Casa Branca apontou para os esforços diplomáticos de Donald Trump no seu primeiro mandato. Referia-se ao acordo de normalização. Isto porque em 2020 os dois países assinaram acordos de normalização económica ao lado do líder norte-americano na Sala Oval, mas não estavam em guerra na altura.
Na chamada guerra dos 12 dias a intervenção de Trump é mais consensual. O conflito começou em meados de junho com ataques israelitas a infraestruturas nucleares iranianas. Telavive garantiu que infligiu pesados danos ao programa nuclear de Teerão, reivindicando também a morte de vários líderes militares, incluindo o Chefe do Estado-Maior, Mohammad Bagheri. Trump confirmou que foi antecipadamente avisado sobre a ofensiva, descrita pelos israelitas como “preventiva”, pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. O Irão retaliou com vagas de mísseis e drones.
A 21 de junho os EUA confirmaram ataques a três centrais nucleares iranianas. Na Truth Social o líder norte-americano descreveu que a ofensiva tinha sido bem sucedida e sublinhou que se tratava de um “momento histórico para os Estados Unidos da América, Israel e o mundo”. Teerão responderia com um ataque que não provocou vítimas à base norte-americana Al Udeid Air, no Qatar, e dias depois Trump anunciava um cessar-fogo. Desde então, Israel sugeriu que poderia atacar alvos iranianos novamente para combater novas ameaças.
Especialistas em conflitos são mais consensuais sobre o papel do líder dos EUA neste conflito. “Há sempre uma hipótese de a guerra ressurgir se o Irão reiniciar o seu programa de armas nucleares, mas, mesmo assim, eles estavam envolvidos numa guerra acirrada. E não havia um fim real à vista antes de o presidente Trump se envolver e fazer um ultimato”, disse Evelyn Farkas, diretora executiva do Instituto McCain da Universidade Estatal do Arizona, à Associated Press. Uma posição partilhada com Lawrence Haas, membro do American Foreign Policy Councill, que apontou que Washington foi essencial para o cessar-fogo, ainda que considere que poderá ser apenas um “alívio temporário” no conflito.