Depois de a ministra Maria Lúcia Amaral ter dito “vamos embora” quando ia ser confrontada com os problemas e as dificuldades que as populações enfrentam no combate aos incêndios, Marcelo reagiu: disse que a ministra ainda está “a descobrir as respostas a dar”, entre outras coisas que “está a descobrir” – e Marcelo não se ficou por aí

“Nem sempre quem está perante situações de sufoco é capaz de responder em conformidade”, disse também Marcelo sobre a ministra da Administração Interna. Para o politólogo José Filipe Pinto, “o Presidente da República defendeu atacando, mas, sobretudo, atacou defendendo”. Ou seja: quis “simultaneamente proteger a ministra e sublinhar as fragilidades da resposta dela”.

Por outro lado: “Podemos dizer que Marcelo aprendeu com o erro que cometeu nos incêndios de 2017”, considera o politólogo. José Filipe Pinto recorda que o chefe de Estado, durante os incêndios de Pedrógão Grande, colocou-se “ao lado da ministra e antecipou-se e assumiu as dores do governo”, chegando mesmo a declarar que Constança Urbano de Sousa “fez o que tinha de ser feito”. Essa solidariedade, explica, revelou-se “precoce e desajustada”.

“Constança Urbano de Sousa acabou por ser vítima da primeira solidariedade presidencial”, algo que, para José Filipe Pinto, fez com que Marcelo adotasse uma atitude “diferente” com Maria Lúcia Amaral. “Marcelo foi agora mais cauteloso. Foi solidário, paternalista e afirmou que foi feito o possível tendo em conta a inexperiência da ministra, ou seja, tratou-se de um verdadeiro elogio grego”.

As declarações do Presidente da República sobre a atual ministra surgem dias depois de Maria Lúcia Amaral ter realizado uma conferência de imprensa de apenas cinco minutos em plena crise dos incêndios. Quando ia ser confrontada com perguntas sobre os problemas e dificuldades que as populações enfrentam, disse “vamos embora”. E foi.

Este tipo de comunicação utilizado pela governante não deixou Marcelo indiferente, que optou, nas palavras da politóloga Paula Espírito Santo, “por diminuir a ministra, de forma indireta”. “Foi uma diminuição da ministra – que até pode não ter experiência política, mas foi provedora e assumiu outros papéis relevantes ao longo da vida dela. Ou seja, é alguém que está habituada a lidar com situações de crise”, sublinha a politóloga.

“A ministra esteve mal na conferência de imprensa ao dizer ‘vamos embora’ e passou a imagem que quem decide precisa de tranquilidade e sossego. Mensagem que é um desastre numa altura em que a população está numa situação de preocupação.” Paula Espírito Santo ressalva que Marcelo “foi mais assertivo em 2017 com Constança Urbano de Sousa”.

A investigadora identifica ainda uma diferença substancial: “Marcelo não é tão próximo do governo de Montenegro era do de Costa. Com Montenegro não há articulação e isso faz com que não se possa, por exemplo, deslocar-se ao terreno, sob pena de fragilizar o governo”.

Para José Filipe Pinto, Marcelo, que “até é conhecido por ser demasiado interventivo, desta vez preferiu a magistratura de influência à de interferência”. Para o politólogo, o Presidente teve um objetivo nas declarações sobre a ministra: “Dizer que houve inexperiência”.

A escolha das palavras e a postura pública do Presidente revelam também uma dimensão estratégica. “De certa forma, Marcelo está a proteger o governo ao não estar no centro da crise como habitualmente gosta. Isso significa que o Presidente acaba por se escudar na importância da palavra, não deixando de dar a sua opinião”, afirma Paula Espírito Santo, acrescentando que o chefe de Estado tem mostrado “uma visão de pai institucional”. “O governo está a defraudar a população e o Presidente está a entrar nesta encenação pública e política dizendo que não é correto o que está a acontecer, mas que é preciso ter paciência.”