Quem passeia pela Baixa lisboeta, se estiver num percurso normal do dia-a-dia, pode encontrar-se numa situação complicada de não conseguir acelerar o passo para chegar a horas ao seu compromisso. As filas de turistas que passeiam calmamente, sobretudo nos bairros históricos, passaram a fazer parte do quotidiano, mas talvez por isso mesmo tornam-se cada vez mais difíceis de suportar.

No mesmo sentido, estar no Porto e decidir, espontaneamente, visitar a livraria Lello – nem que seja para mostrar às crianças as escadas que podem (ou não) ter inspirado J.K.Rowling para as escadarias de Hogwarts, na saga Harry Potter – é uma tarefa praticamente impossível, com filas de horas à porta e bilhetes a terem de ser comprados por antecipação.

Mas há mais exemplos: comprar pastéis de Belém, escolher um restaurante para jantar e ter mesa no mesmo dia, tomar um café numa pastelaria, entrar num museu ou ir a uma exposição, apanhar o metro junto ao aeroporto de Lisboa ou, simplesmente, tentar voltar a entrar no país vindo de uma viagem de fora do espaço Schengen, estão a tornar-se tarefas desesperantes para quem vive em países onde o Turismo bate recordes a cada ano que passa.

Os números da discórdia

A juntar-se às dificuldades do dia-a-dia, há questões mais estruturais que estão a deixar zangados [e mesmo desesperados] muitos dos locais em lugares como Portugal, Itália, França, Países Baixos ou Grécia: o aumento dos visitantes tem não apenas descaracterizado as cidades, mas tem inflacionado de tal forma os preços de bens essenciais, que começou a tornar muito difícil a vida dos locais.

Olhemos para alguns: o preço das casas, em Portugal, disparou 16% somente no primeiro trimestre deste ano. O valor mediano da avaliação bancária das casas em território nacional subiu cerca de 90%% entre 2011 e 2024, segundo dados da Pordata. Sem surpresas, em Lisboa essa subida foi ainda mais expressiva: cerca de 125% entre 2011 e 2024. Para efeitos de referência, o salário médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem, no país, aumentou 41% entre o mesmo período temporal, mostram-nos dados do INE. A proliferação dos alojamentos locais, bem como a possibilidade de os nómadas digitais poderem trabalhar à distância e terem poder de aquisição de arrendamento de curta duração, acentuou os problemas já latentes da falta de habitação em Portugal, elevando-os para um patamar muito próximo do insustentável.

No mesmo sentido, o preço do cabaz de bens essenciais, um indicador que começou ser acompanhado pela DECO em 2022, já tinha subido mais de 30% entre o início de 2022 e julho de 2025. De acordo com o Eurostat, mais de metade dos portugueses gasta 30% do seu orçamento mensal em refeições.

Naturalmente, neste caso, o efeito não é apenas do Turismo, mas a crescente presença de pessoas com mais poder de compra – ou pelo menos com mais disponibilidade para gastar dinheiro enquanto estão no país – pressiona também os valores através da inflação. Que, em Portugal, tem estado acima dos pares europeus.