Em 1938, os Aliados acreditaram que, cedendo os Sudetas à Alemanha nazi, evitariam a guerra. Meses depois, Hitler ocupava toda a Checoslováquia. Hoje, há quem tema que a cedência de três cidades cruciais do Donbass à Rússia possa abrir caminho a uma nova fatalidade

“As comparações têm sempre dificuldades, porque a história nunca se repete exatamente. Mas há semelhanças importantes”, observa o historiador António José Telo, lembrando que em 1938 os Aliados tinham capacidade militar para resistir a Adolf Hitler e, ainda assim, preferiram a cedência. “Hoje, essa opção não existe da mesma forma. Zelensky já admitiu que não é possível recuperar os territórios ocupados. A questão não é tanto o querer, mas o poder”.

O major-general Agostinho Costa considera que as diferenças entre o passado e o presente não podem ser ignoradas. Para o especialista militar, a Alemanha Nazi sonhava com um império mundial alicerçado na ideia de Lebensraum, o espaço vital que justificava a expansão ilimitada. Já a Rússia, insiste, não procura o mesmo tipo de dominação global: o que está em causa é sobretudo uma lógica geoestratégica, inscrita desde os anos 90 na doutrina de Primakov, que coloca como prioridade o controlo do “estrangeiro próximo”, a antiga esfera imperial soviética. “Não se trata de conquistar o mundo, mas de assegurar que ninguém belisca o que Moscovo considera o seu quintal estratégico”, resume.

Resistir até cair?

O dilema, no entanto, não desaparece: vale a pena resistir a todo o custo? Para António José Telo, a resposta é clara. Resistir só terá sentido se a ajuda externa aumentar de forma decisiva; caso contrário, insistir pode ser um tiro no pé, porque “vai jogar a favor da Rússia e vão conseguir aquilo que querem no fim de contas: o colapso do regime ucraniano e engolir toda a Ucrânia”.

À medida que o tempo passa, explica, a correlação de forças vai-se tornando cada vez “mais favorável à Rússia, que já estabilizou a sua economia de guerra e consegue suportar um conflito prolongado”. Kiev, pelo contrário, enfrenta dificuldades militares no terreno e desgaste interno, onde a posição política de Zelensky começa a revelar fragilidades.

Moscovo sabe disso. O historiador acrescenta ainda que o Kremlin nunca mostrou verdadeira disponibilidade para um cessar-fogo: a sua estratégia continua a ser a de “ganhar tempo até poder tentar derrubar o regime ucraniano” ou conquistar a totalidade das regiões que reclama como suas.

Donbass: a linha Maginot da Ucrânia

Se para António José Telo a equação é sobretudo política e estratégica, Agostinho Costa insiste no peso concreto do terreno. O Donbass, explica, não é apenas um símbolo: é “a linha Maginot da Ucrânia”. Desde 2014, toda a região foi transformada num gigantesco sistema fortificado de trincheiras, cidades adaptadas à defesa e barreiras naturais. Se esse território for perdido, o exército ucraniano terá de recuar para planícies abertas, muito mais difíceis de proteger. “E os russos já chegaram à última linha de defesa. A partir daí é espaço aberto”, sublinha.

Mas o problema não se esgota no plano militar. O Donbass é também o coração económico da Ucrânia. “Grande parte do PIB ucraniano, os minerais, as terras raras, a indústria, a saída para o mar, tudo está ali”. A sua perda representaria não apenas uma derrota no campo de batalha, mas um colapso económico potencialmente irreversível, considera o major-general.

Uma Europa fraca perante o dilema

Os dois especialistas convergem numa crítica: a Europa está mal preparada e dividida.

“A Europa desarmou-se a si própria ao longo de 30 anos. Está de rastos, está numa debilidade total e foi a Europa que se tornou a si própria fraca. Continua a pensar que os problemas do mundo se resolvem com tribunais e com discussões sobre a perspectiva humanitária e a perspectiva moral. Mas não é o direito que cria a força, é a força que cria o direito. E a Europa não tem força”, afirma António José Telo.

Agostinho Costa traduz essa fragilidade em números: “A Ucrânia tem mais militares em Pokrovska, a combater os russos, do que todo o exército alemão. A França tem apenas 113 mil. A Alemanha, 61 mil. E a Rússia tem entre 650 e 700 mil só no teatro de operações da Ucrânia”.

A diferença não é apenas quantitativa. O especialista considera que a base industrial militar europeia é “incapaz” de garantir um fluxo contínuo de armamento e munições. O general recorda que a União Europeia “nem sequer conseguiu cumprir” a promessa de entregar um milhão de munições a Kiev. Já Moscovo “produz em três meses aquilo que todo o Ocidente fabrica num ano”.

“Dá ideia de que os líderes europeus convenceram-se de que podem vencer a Rússia, mas só mostra que estão fora da realidade. Os norte-americanos já perceberam isso e têm o pensamento “se não os podes vencer, junta-te a eles”, acrescenta.

A “última oportunidade”

Se a Ucrânia ceder e aceitar perder as três cidades do leste do país, Moscovo terá atingido os seus objetivos estratégicos e “para por ali”, considera o major-general Agostinho Costa. Caso contrário, se a Rússia avançar e conquistar Kherson, Zaporizhzhia e cortar definitivamente o acesso ao mar Negro e ao Danúbio, a Ucrânia transformar-se-á num país “enclausurado”, sem saída marítima, “vulnerável e estrategicamente irrelevante, como a Hungria ou a Áustria”.

“Esta é a última oportunidade de manter a Ucrânia como Estado viável. Os russos estão a preparar-se para passar o rio Dniepre em Kherson. Dentro da cidade de Kherson, há uma parte da cidade que é cercada por um rio, só tem uma ponte e os russos, a semana passada, estavam a destruí-la para passarem para o lado de lá. Ou seja, para tomarem o Oblast de Kherson todo. O próprio chefe das Forças Armadas ucranianas referiu que os russos estão a preparar-se para lançar uma grande ofensiva em Zaporizhia e há indicadores que haverá cento e mil militares russos destacados. Por um bocadinho de terreno, o presidente Zelenskt arrisca-se a perder tudo. E, no momento da verdade, os europeus não se vão chegar à frente para o ajudar”, argumenta.