Sindicato afeto à CGTP não compreende razão de ser do fim da criminalização do trabalho não declarado à Segurança Social, como propõe o Governo no anteprojeto da reforma laboral, e avisa que a medida funcionará como um “convite à informalidade” do trabalho doméstico, mas também de outros setores, como o da agricultura e da hotelaria. “É voltar à selva autêntica” que vigorou até 2023, afirma Vivalda Silva, dirigente do STAD.

O fim da criminalização do trabalho não declarado, que o Governo propõe no anteprojeto da reforma laboral, vai agravar a “informalidade” de que vários setores, incluindo o do trabalho doméstico, padecem e, no final do dia, é o país quem sai a perder como um todo, avisa o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (STAD), estrutura afeta à CGTP.

Vivalda Silva, dirigente e antiga coordenadora do sindicato, não tem dúvidas que a medida, que revoga a decisão tomada no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno (2023), é “um convite ao trabalho não declarado por parte de quem contrata domésticas” e à informalidade que afeta outros setores, como na agricultura e na hotelaria. “Já hoje, há muitos trabalhadores destes que não estão inscritos na Segurança Social. A informalidade vai ser cada vez pior. É mau para o país e para nós próprios – é dinheiro que deixa de entrar na Segurança Social”, avisa a sindicalista em declarações ao Jornal Económico (JE).

A dirigente do STAD defende que a criminalização do trabalho não declarado foi “uma boa medida” tomada pelo último governo de António Costa, que teve resultados.

“Levou a que muitas trabalhadoras domésticas passassem a estar inscritas na Segurança Social e até a que muitas delas começassem a receber subsídio de férias e de Natal, porque uma coisa levou à outra”, afirma, lamentando que, dois anos depois, o executivo decida “voltar tudo atrás, à selva autêntica, neste setor e noutros, em que os trabalhadores não têm proteção social no caso de precisarem”. Tratando-se, ainda por cima, no caso do trabalho doméstico, de um setor que “não é muito bem pago” (segundo dados de dezembro de 2024, o salário médio de trabalhadores domésticos na Segurança Social é inferior a 360 euros).

A informalidade e a precariedade laboral são, aliás, características centrais desta atividade sublinhadas pelo próprio “Livro Branco Trabalho Doméstico Digno”, editado em abril de 2024 pelo STAD. O estudo, recordado pela agência Lusa na semana passada, refere que o problema é “proporcionalmente maior” entre as trabalhadoras do serviço doméstico que atuam a tempo parcial (quem tem várias entidades empregadoras ou quem trabalha numa empresa e faz trabalho doméstico de forma complementar). Segundo dados do Instituto da Segurança Social (ISS) fornecidos à agência, em 2024, havia 220,4 mil trabalhadores registados na Segurança Social, mas só cerca de 51,5 mil (23%) tinham contribuições declaradas.

Vivalda não sabe qual a intenção do Governo ao deixar de criminalizar o trabalho não declarado, porque ainda a medida não foi ainda explicada, mas sugere algumas hipóteses: “Sabemos uma coisa: Quem usufrui do serviço doméstico? Não sou que tenho um salário pouco acima do salário mínimo e não é quem ganha à volta de mil euros. São pessoas que têm uma vida económica melhor, mais estabilizada. Será que é aqui também uma exigência de alguns grupos ou camada da sociedade que usufrui destes serviços e está a fazer pressão? Se calhar é. Os próprios ministros também usufruem deste serviço.” A sindicalista acusa o Governo de, ao invés de ser o “primeiro defensor do cumprimento das regras”, criar legislação que favorece os próprios governantes e aos que estão em linha com a sua condição económica.

De acordo com a lei em vigor, se os empregadores não declararem uma contratação nos seis meses seguintes ao fim do prazo previsto na lei para procederem a essa comunicação – em regra, nos 15 dias anteriores ao início da atividade – podem ser criminalizados com uma pena de prisão de até três anos ou com uma multa de até 360 dias (até 180 mil euros).

A antiga coordenadora do STAD desconhece se nos últimos dois anos foram aplicadas multas por causa de trabalho não declarado à Segurança Social, mas duvida que tenha havido alguma fiscalização por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) ou da própria Segurança Social. “Mas só o facto de estar na lei já levava a que as pessoas pensassem duas vezes, já levava a que as pessoas que fazem o trabalho doméstico exigissem estar inscritos na Segurança Social”, afirma.

Agora, a verificar-se a revogação da criminalização, embora continue a ser exigido que todos os trabalhadores por conta de outrem estejam inscritos na Segurança Social, o desincentivo levará a que a entidade patronal “deixe andar”, agravando o cenário da informalidade, reforça a sindicalista.

As várias mexidas no Código do Trabalho previstas na reforma do Governo têm sido duramente criticadas pelas centrais sindicais, que veem no anteprojeto da reforma laboral um “assalto aos direitos dos trabalhadores”. O STAD acompanhará “todas as formas de luta que a CGTP decidir marcar” para protestar contra este pacote de medidas, tendo já previstas manifestações em várias cidades do país no dia 13 de setembro.