Em uma sala no Núcleo de Convivência para Adultos em Situação de Rua Rodrigo Silva, na Liberdade, 15 homens e duas mulheres ouvem uma exposição sobre cuidados para a aplicação de uma pintura. Minutos depois, com os equipamentos de segurança, se dividem em quatro grupos e começam a lixar a sala, que será pintada. Assim, o trabalho continuará pelas próximas três semanas, até que o local receba uma nova pintura completa.
A equipe não está lá apenas para trabalhar. Eles são alunos do curso de pintura para construção civil, que é dado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e pelo Sindicato Empresarial do Comércio Atacadista de Material de Construção, Material Elétrico e Energia Elétrica no Estado de São Paulo (Sincomaco). Uma empresa de tintas forneceu os equipamentos para que o trabalho seja feito, em convênio com a prefeitura. Os alunos do treinamento são moradores de abrigos e outros equipamentos de assistência social da cidade.
O convênio teve início no ano passado, quando foram dadas duas edições do curso. “Os profissionais já saem daqui contratados, com carteira assinada como auxiliares de pintura e recebem o piso da categoria, de cerca de R$ 2.600”, afirma Roberto Mateus Ordine, presidente da ACSP.
Ele afirma que se surpreendeu com a demanda, depois de uma construtora se oferecer para contratar todos os alunos. “A gente pensava em formá-los para serem microempreendedores individuais (MEIs), mas vimos que existia uma necessidade das empresas por mais profissionais preparados para a atividade”, comenta.
No primeiro semestre, o curso não ocorreu por problemas nos convênios com a prefeitura. Mas o objetivo agora é que haja ao menos uma turma por mês, no mesmo formato e com o mesmo número de alunos.
Se houver demanda, a ACSP e o sindicato cogitam até a criação do turno matinal na formação. No total, o convênio terá validade de um ano. Os alunos passam por uma semana de aulas teóricas e mais três de prática. Outras atividades relacionadas à construção civil, como encanador e eletricista, também podem ser foco de cursos semelhantes daqui para frente.
Nas duas edições anteriores, o projeto colaborou na recuperação da Morada São João, na República, e do Núcleo de Convivência Prates, no Bom Retiro. Ambos equipamentos da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Segundo a ACSP, dois alunos do ano passado já foram promovidos a pintores e o salário deles praticamente dobrou.
Moradora de um abrigo temporário, Eliane Assunpção Fermiano, 45, viu no curso uma oportunidade de se qualificar. “Eu trabalhava como diarista, mas a gente precisa pensar em outras possibilidades profissionais depois que passa dos 40”, afirma.
Nascida em São Paulo e criada no Jaçanã, na zona norte, ela concluiu o ensino médio está em situação de rua faz três anos. “A rua coloca a gente em um ciclo vicioso”, afirma.
Nascido no Rio Grande do Sul, Claus de Oliveira Vieira, 50, mora atualmente no Centro Temporário de Acolhimento Prates e trabalha na manutenção de praças pelo Programa Operação Trabalho (POT).
Ele conta que já trabalhou com construção civil antes e a qualificação é uma esperança para retomar a atividade. “Meu pai era empreiteiro”, diz. Por isso, ele espera ter oportunidades de aperfeiçoar seus conhecimentos em outras áreas como elétrica, encanamentos e instalação de azulejos, por exemplo.
Claus explica que, em razão da falta de um endereço fixo, acaba tendo dificuldade de conseguir um trabalho mais estável, mesmo tendo concluído o ensino médio. “Na rua, a gente acaba fazendo bico mesmo”, explica. Geralmente, ele acaba trabalhando no descarregamento de caminhões ou na coleta de recicláveis.