A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é uma das principais causas de cegueira irreversível em idosos. A DMRI neovascular (DMRIn) envolve crescimento vascular anormal e dano macular, que está ligado a hipóxia, estresse oxidativo, problemas de metabolismo lipídico e inflamação.  

O peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) é um hormônio incretina secretado principalmente pelas células L do intestino delgado, que desempenha um papel fundamental na homeostase da glicose e na promoção da saciedade.  

Os efeitos do GLP-1 são mediados por seu receptor acoplado à proteína G, inicialmente identificado no pâncreas e, posteriormente, em vários outros tecidos, incluindo a retina. Os agonistas do receptor de GLP-1 (AR GLP-1) são amplamente utilizados no tratamento de diabetes ou obesidade. Além da homeostase da glicose, os AR GLP-1 exibem efeitos anti-inflamatórios em vários órgãos, sugerindo potenciais benefícios no tratamento de doenças inflamatórias. 

O estudo SUSTAIN e o estudo PIONEER apontaram, respectivamente, um aumento do risco de complicações da retinopatia diabética e aumento da incidência retinopatia diabética em participantes que foram expostos à semaglutida. Foi postulado que a rápida redução nos níveis de glicose sanguínea desencadeada pelos AR GLP-1 leva a um estado hipóxico da retina que promove mais angiogênese anormal. 

A patogênese subjacente da DMRIn envolve angiogênese anormal e excessiva, o objetivo desse estudo foi avaliar associação entre a exposição sistêmica ARGLP-1 e a incidência de DMRIn usando dados de um estudo de base populacional. O desfecho avaliado foi a incidência de novos diagnósticos de DMRIn entre indivíduos nas coortes expostos (utilizaram AR GLP-1) e não expostos (não utilizaram AR GLP-1) durante um período de acompanhamento de 3 anos.  

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degeneração macular

Métodos 

O estudo de coorte de base populacional foi conduzido no Canadá, utilizando dados administrativos de saúde e demográficos. Esses registros foram integrados ao Banco de Dados de Pessoas Registradas para obter dados demográficos dos pacientes.  

Foram identificados e acompanhados pacientes ≥ 66 anos com diabetes, de janeiro de 2020 a novembro de 2023. Pacientes que foram acompanhados por menos de 12 meses e pacientes que foram diagnosticados com DMRI antes ou no momento do diagnóstico de diabetes foram excluídos. Foi definido que o grupo exposto era composto por pacientes com diabetes tratados com AR GLP-1 por mais de 6 meses. O grupo não exposto foi composto por pacientes com diabetes que nunca receberam AR GLP-1.  

As variáveis idade, sexo e duração do diabetes, assim como as comorbidades hipertensão, dislipidemia, doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral e doença renal crônica foram utilizadas no processo de pareamento do escore de propensão. Devido à ausência significativa de dados sobre tabagismo, essa variável não foi incluída como critério de pareamento para estimar os escores de propensão.  

Para aumentar a comparabilidade entre os grupos, foi realizado o pareamento de escore de propensão 1:2 entre os participantes expostos à AR GLP-1 e aqueles não expostos. Regressão logística multivariável não parcimoniosa, com AR GLP-1 como variável dependente, foi utilizada para estimar os escores de propensão para cada paciente. Um total de 10 variáveis clinicamente relevantes foram utilizadas como variáveis independentes. Para construir grupos pareados e alcançar melhor equilíbrio entre todas as covariáveis, o método do paquímetro foi utilizado.  

O modelo de riscos proporcionais de Cox para comparar a incidência de novos casos de DMRIn no grupo de exposição versus o grupo não exposto, ajustando com base em todas as covariáveis mencionadas anteriormente também foi utilizado. Os resultados foram apresentados como razões de risco e intervalos de confiança de 95%. A significância foi definida como P  

Resultados 

Um total de 1069.140 pacientes elegíveis foram identificados. Destes, 72.755 pacientes (6,8%) foram expostos a AR GLP-1 por 6 meses ou mais, enquanto 996.385 pacientes (93,2%) não tiveram exposição prévia a AR GLP-1. Após o pareamento por escore de propensão 1:2, foi criada uma coorte pareada 1:2 de 139.002 pacientes, que incluiu 46.334 pacientes que foram expostos a AR GLP-1 e 92.668 pacientes pareados não expostos.  

Entre os 139.002 pacientes pareados, a média (DP) de idade dos pacientes foi de 66,2 (7,5) anos, e 64.775 pacientes (46,6%) eram mulheres. O tempo médio (DP) de acompanhamento foi de 2,4 (1,0) anos no grupo exposto e de 2,5 (0,9) anos no grupo não exposto.  

O AR GLP-1 predominantemente utilizado foi a semaglutida (97,5%), seguida pela lixisenatida (2,5%). Dos 139.002 pacientes pareados, o histórico médio (DP) de diabetes foi de 6,22 (2,49) anos até o início do acompanhamento. 

Dos 46.334 indivíduos expostos a AR GLP-1, 93 pacientes (0,2%) foram diagnosticados com DMRIn até novembro de 2023. Em contraste, 88 pacientes (0,1%) no grupo não exposto foram diagnosticados com DMRIn. Assim, em um modelo univariável de riscos proporcionais de Cox, pacientes com diabetes que foram expostos a AR GLP-1 apresentaram uma incidência substancialmente maior de diagnóstico de DMRIn em comparação àqueles não expostos (0,2% vs. 0,1%; diferença, 0,1%; IC de 95%, 0,08%-0,12%; HR, 2,11; IC de 95%, 1,58-2,82).  

Esse achado permaneceu consistente em um modelo multivariável de riscos proporcionais de Cox ajustado para características sociodemográficas e comorbidades médicas (HR, 2,21; IC 95%, 1,65-2,96). Além do uso de AR GLP-1, idade avançada e histórico de acidente vascular cerebral também foram associados a um risco substancialmente aumentado de DMRIn no modelo ajustado (idade: HR, 1,12; IC 95%, 1,07-1,18; acidente vascular cerebral: HR, 1,96; IC 95%, 1,15-3,34). 

Discussão 

Neste estudo observou-se uma associação significativa entre o uso prolongado (≥6 meses) de AR GLP-1 em pacientes com diabetes e um aumento no risco de desenvolvimento de DMRIn. O risco foi mais acentuado em pacientes com exposição prolongada ao tratamento, idade avançada ou histórico de acidente vascular cerebral. 

Embora o controle glicêmico sistêmico esteja relacionado à saúde retiniana — com evidências de que níveis elevados de hemoglobina A1c contribuem para neurodegeneração da retina —, medicamentos como a metformina e inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 demonstraram efeitos protetores contra a DMRI. Em contraste, os AR GLP-1, embora eficazes mostraram-se associados a um risco aumentado de DMRIn. Esse achado contradiz estudos experimentais que apontam possíveis efeitos neuroprotetores dos AR GLP-1. 

O mecanismo subjacente à associação entre AR GLP-1 e risco ocular permanece incerto, mas hipóteses incluem a indução de estados hipóxicos transitórios com consequente elevação de CXCL12 e VEGF — fatores que favorecem a angiogênese coroideana. Além disso, relatos anteriores já documentaram agravamento da retinopatia diabética com uso de semaglutida (estudo SUSTAIN).  

Impactos na prática médica  

O crescente uso dos AR GLP-1, inclusive em pacientes sem diabetes, acentua a necessidade de monitoramento oftalmológico rigoroso e vigilância farmacológica. Diante do potencial risco de complicações visuais, recomenda-se que os profissionais de saúde relatem eventos adversos suspeitos a sistemas de farmacovigilância para aprimorar a segurança do uso desses fármacos. 

Limitações 

  • Não estratificou pelo tipo de AR GLP-1 prescrito e, portanto, os achados não devem ser generalizados para marcas específicas de AR GLP-1.  

 

  • Não foram avaliadas a dose, a via de administração ou a frequência de administração de AR GLP-1.  

 

  • Não foram avaliadas algumas variáveis, como tabagismo e exposição solar, levando a possibilidade de confusão residual. 

O que podemos levar para casa? 

Pacientes com diabetes expostos a AR GLP-1 apresentaram um risco baixo, porém substancialmente maior, de serem diagnosticados com DMRIn do que pacientes não expostos, com maior duração da exposição a AR GLP-1 correlacionada com risco aumentado de DMRIn.  

Embora esses achados estejam alinhados com a literatura existente que favorece um mecanismo dependente de hipóxia para DMRIn, retinopatia diabética e exacerbação da neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica, mais pesquisas são necessárias para determinar se existe uma verdadeira relação de causa e efeito na associação identificada nessa investigação e para compreender as compensações entre os benefícios e riscos dos AR GLP-1.