Era 1994 e um amigo jornalista me veio com a ideia de eu ser colunista de jornal. Na época, eu vivia em Santiago do Chile, havia largado a Publicidade e não sabia o que fazer da vida. Ciente de que eu gastava meu tempo escrevendo textos aleatórios, ele decidiu mostrá-los ao diretor de redação de Zero Hora. O quê? Escrever no mesmo jornal que o Verissimo??? Era como dizer para um cantor de churrascaria que ele dividiria o microfone com Paul McCartney. Isso dá uma ideia aproximada da minha idolatria pelo Luis Fernando.

Retrocedendo de 1994 para 1973. Eu tinha 12 anos e Woody Allen lançava um filme chamado “Dorminhoco”, enquanto o filho de Érico Verissimo lançava seu primeiro livro, “O Popular”, sem parentesco algum com o estilo de “O tempo e o vento”. Luis Fernando e Woody é que pareciam familiares, irmãos separados no berço. Sua gaiatice nada tinha a ver com as sagas gauchescas, com o minuano e a coisa toda do Pampa. Eles escreviam e faziam humor sobre a vulnerabilidade da gente, sobre nossas perguntas irrespondíveis, sobre este tal “sentido da vida” que se esconde tão bem.

Tempos depois, Luis Fernando se agigantou, brilhou nas crônicas, na ficção, no cartoon e até na música — tocava sax numa banda de jazz. Virou best-seller e amigo íntimo de Zuenir, Ziraldo, Millôr. Quanto mais crescia, mais calava. Seu trabalho falava por ele.

Então vieram os anos 2000. Alguma coisa devo ter feito de bom em encarnações passadas, pois chegamos a almoçar juntos, certa vez, em Paris (não me cancelem pelo exibicionismo) e agora, para minha total estupefação, estou lançando um livro junto com ele, venda casada, o meu e o dele confinados no mesmo box. Dessas coisas que o destino apronta sem nos consultar, só para ver nossa cara de “como assim?”. Pois é. A tal terceira idade dá um jeito de nos compensar, e no meu caso, caprichou.

Se estou feliz? Estupidamente feliz e com o peito cravado de balas. Logo agora que já não temos reserva para um próximo almoço. Que não nos encontraremos mais na Feira do Livro de Porto Alegre. Que não autografaremos lado a lado. Que não saberei o que ele acha dos novos filmes do Woody Allen e se acredita que nosso time ainda nos dará alegrias. Logo agora que 1973 está tão distante. E eu mais distante ainda da menina que passou a amar crônicas por causa dele. Logo agora que o agora anda tão sem graça.

Ainda assim, Luis Fernando Verissimo é para sempre. Gênio que ultrapassou suas firmes convicções políticas, o amor pelo Inter, as improvisações no jazz, o inigualável talento literário e até o próprio recato. É hoje um homem muito maior que seu silêncio.