Quando a pandemia de Covid começou, muita gente recorreu ao filme “Contágio” (2011), assustadoramente premonitório, em busca de respostas — ou, pelo menos, de algum alívio. De repente, a trama hipotética parecia muito real. Aplaudido pela precisão científica, o filme oferecia mais do que suspense — oferecia lições.

Uma cena em particular se destaca. A personagem de Kate Winslet dá uma aula concisa sobre o poder infeccioso de diferentes patógenos — explicando como eles podem ser transmitidos pelas mãos para os inúmeros objetos que tocamos diariamente — “maçanetas, bebedouros, botões de elevador e uns aos outros”. Esses objetos do cotidiano, conhecidos como fômites, podem se tornar veículos silenciosos de infecção.

Ela também explica como cada infecção recebe um valor chamado R0 (ou R-nulo), baseado em quantas pessoas devem ser infectadas a partir de um único caso. Assim, se o R0 for igual a 2, cada paciente transmite a doença para duas pessoas, que a passarão para quatro outras, e assim sucessivamente. É dessa forma que um surto se estabelece.

O número R0 indica como uma infecção tende a se espalhar em uma população. Se for maior que 1, o resultado é a disseminação da doença. Um R0 igual a 1 significa que os níveis de infecção permanecem estáveis; já valores menores que 1 geralmente levam ao desaparecimento da doença com o tempo.

Infecções circulam por diferentes rotas e variam bastante em grau de contágio. Algumas se transmitem por gotículas ou aerossóis — liberados ao tossir ou espirrar —, enquanto outras se espalham pelo sangue, por insetos (como carrapatos e mosquitos), ou ainda por alimentos e água contaminados.

Mas, se pensarmos em como podemos nos proteger contra doenças infecciosas, a lição essencial é compreender como elas se espalham. E, como veremos, trata-se também de proteger não só a nós mesmos, mas aos outros. A seguir, uma visão geral das doenças mais e menos contagiosas do planeta.

A campeã do contágio: sarampo

O sarampo tem ressurgido em várias partes do mundo nos últimos anos, inclusive em países ricos como Reino Unido e Estados Unidos. Diversos fatores contribuem para isso, mas a principal causa é a queda nas taxas de vacinação infantil. Essa redução foi impulsionada por interrupções decorrentes da pandemia de Covid e de conflitos globais, além da disseminação de desinformação sobre a segurança das vacinas.

O número R0 do sarampo varia entre 12 e 18. Em apenas dois ciclos de transmissão, um único infectado pode gerar 342 novos casos. É um número impressionante — mas felizmente a vacinação reduz significativamente o risco, protegendo a população ao diminuir a quantidade de pessoas suscetíveis ao vírus.

O sarampo é extraordinariamente virulento, transmitindo-se por minúsculas partículas suspensas no ar durante a tosse ou o espirro. Nem sequer é necessário contato direto: uma pessoa não vacinada pode contrair o vírus apenas por entrar em um ambiente onde alguém infectado esteve duas horas antes.

Além disso, pessoas já podem transmitir o vírus antes mesmo de apresentarem sintomas ou de terem qualquer razão para se isolar.

Outras doenças com alto R0 incluem a coqueluche (12 a 17), a catapora (10 a 12) e a Covid-19, cujo valor varia conforme a variante, mas geralmente fica entre 8 e 12. Apesar de muitas vezes serem doenças com recuperação completa, todas podem causar complicações graves, como pneumonia, convulsões, meningite, cegueira e, em alguns casos, a morte.

Baixa transmissão, alto risco

Na outra ponta, uma taxa menor de infectividade não significa que uma doença seja menos perigosa.

Um exemplo é a tuberculose (TB), cujo R0 varia de menos de 1 até 4, dependendo de fatores locais como condições de moradia e qualidade do sistema de saúde.

Causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, a TB também é transmitida pelo ar, mas de forma mais lenta, geralmente exigindo contato próximo e prolongado com alguém doente. Os surtos são mais comuns em pessoas que compartilham o mesmo espaço, como famílias, moradores de abrigos ou presidiários.

O grande perigo da TB está na dificuldade do tratamento. Uma vez instalada, exige a combinação de quatro antibióticos por, no mínimo, seis meses. Antibióticos comuns, como a penicilina, não funcionam. Além disso, a doença pode se espalhar além dos pulmões, atingindo cérebro, ossos, fígado e articulações.

Para agravar, os casos de TB resistente a medicamentos vêm crescendo, quando a bactéria já não responde a um ou mais antibióticos usados no tratamento.

Outras doenças com menor taxa de transmissão incluem o ebola, altamente letal, mas transmitido apenas por contato direto com fluidos corporais, com R0 entre 1,5 e 2,5.

Já doenças com R0 abaixo de 1 incluem a síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers), a gripe aviária e a hanseníase. Embora menos contagiosas, todas podem ter gravidade significativa e não devem ser subestimadas.

A importância da imunização

A ameaça representada por uma doença infecciosa depende não apenas de como ela afeta o corpo, mas também de sua capacidade de transmissão. Por isso, medidas preventivas como a imunização são fundamentais, não só para proteger quem se vacina, mas também para limitar a propagação a pessoas que não podem receber determinadas imunizantes, como bebês, gestantes, indivíduos com alergias graves ou imunidade comprometida.

Esses grupos são também os mais vulneráveis às infecções em geral. É aí que entra a importância da imunidade de rebanho: ao alcançar níveis amplos de proteção na população, ajudamos a proteger.

* Dan Baumgardt é professor associado da Escola de Fisiologia, Farmacologia e Neurociência da Universidade de Bristol, no Reino Unido