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O secretário da Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, fez uma rara admissão pública sobre a crescente vulnerabilidade da Marinha norte-americana face ao avanço tecnológico de Pequim. “Os Estados Unidos perdem contra a China em todos os jogos de guerra simulados pelo Pentágono”, afirmou, alertando que os mísseis hipersónicos chineses já têm capacidade para destruir todos os porta-aviões norte-americanos em apenas 20 minutos.

A preocupação com a superioridade chinesa neste domínio não é recente. Já em 2021, o general Mark Milley, então chefe do Estado-Maior norte-americano, descreveu o primeiro teste detetado de um planador hipersónico chinês como um “novo momento Sputnik”, comparando-o ao impacto global do lançamento do satélite soviético em 1957.

Nessa experiência, realizada em agosto de 2021, um míssil hipersónico chinês equipado com o veículo planador DF-ZF circunnavegou a Terra antes de atingir o seu alvo. Documentos do Pentágono confirmam que o sistema atinge velocidades de Mach 10 (cerca de 12.348 km/h), podendo transportar ogivas nucleares e seguir trajetórias imprevisíveis que tornam inúteis os sistemas de defesa norte-americanos, como o Aegis e o THAAD.

“Não temos capacidade para o detetar ou interceptar com a tecnologia atual”, admitiu um oficial da Marinha dos EUA, sob anonimato, ao The Washington Post.

Além do DF-ZF, a China utilizou nesse teste um sistema de ataque orbital fracionado (FOBS), tecnologia abandonada pela União Soviética nos anos 70 devido à sua complexidade. Esta combinação permite lançar cargas nucleares a partir da órbita terrestre baixa, escapando aos radares de alerta antecipado norte-americanos.

“É um salto qualitativo: combinar tecnologia hipersónica com o FOBS dá à China uma capacidade de primeiro ataque nuclear credível”, concluiu um relatório do Congressional Research Service, citado pelo Pentágono.

Enquanto Pequim avança rapidamente, os Estados Unidos acumulam falhas. Em 2022, a Força Aérea norte-americana cancelou o programa de míssil hipersónico HCSW devido a problemas técnicos. Embora o AGM-183A ARRW tenha registado um ensaio bem-sucedido em março de 2023, a sua entrada em operação só está prevista para este ano, 2025.

Apesar de o orçamento do Pentágono para 2023 ter destinado 4,7 mil milhões de dólares ao desenvolvimento hipersónico — mais 40% face ao ano anterior —, relatórios internos do Senado alertaram que “a China investe o triplo em investigação e desenvolvimento militar desde 2018”.

“É uma corrida em que estamos a ficar para trás porque a burocracia paralisa a inovação e as nossas empresas contratadas não ajudam”, criticou Hegseth.

A ameaça chinesa tem especial impacto sobre Taiwan. De acordo com especialistas do Pentágono, os DF-ZF, com alcance de 2.500 quilómetros, já estão operacionais em submarinos da classe Tipo 094 e em lançadores móveis terrestres. A partir do mar da China Meridional, poderiam atingir Guam — base estratégica dos EUA no Pacífico — ou qualquer grupo naval norte-americano que se aproximasse do estreito de Taiwan.

“Se ficarem ao alcance, os porta-aviões serão história”, alertou Hegseth.

O general John Hyten, ex-vice-presidente do Estado-Maior Conjunto, já tinha avisado em 2021 que “a burocracia afoga a inovação” norte-americana. No mesmo ano, o almirante Philip Davidson, então comandante da região Indo-Pacífico, alertou que Pequim poderia tentar invadir Taiwan “antes de 2027” com recurso ao arsenal de mísseis balísticos DF-21 e DF-26, com alcances de 1.500 e 4.000 quilómetros, respetivamente.

Para muitos analistas, a era da supremacia naval dos EUA está em risco. Um relatório interno da RAND Corporation, divulgado em 2023, recomendou uma mudança profunda na doutrina militar, defendendo que os porta-aviões, considerados “alvos de alto valor”, já não têm lugar num cenário dominado por armas hipersónicas.

Em vez disso, os Estados Unidos deveriam priorizar submarinos de ataque e reforçar bases militares em ilhas remotas do Pacífico.

Enquanto isso, a China consolida a sua vantagem. Só em 2022, realizou 135 testes de armas hipersónicas, contra apenas 9 dos EUA. Hoje, segundo o Pentágono, possui mísseis distribuídos ao longo da sua costa, preparados para “aniquilar” qualquer grupo naval que entre na sua zona de exclusão.