Quem não se deu ao trabalho de abrir este texto e se ficou apenas pelo título, deve estar, provavelmente, a encher as caixas de comentários na habitual guerra de trincheiras que hoje caracteriza a vida pública nacional. Mas, se abriu este texto, já agora, fique até ao fim.

Todos os anos, o país arde. E todos os anos temos o mesmo debate em Portugal. Começamos por culpar os pirómanos, depois apontamos o dedo à negligência, alguns especialistas lembram o desordenamento da floresta, os comentadores recordam um interior do país cada vez mais abandonado e os mais informados lembram que a orografia e a posição geográfica de Portugal são propícias a incêndios. No fim, acabamos todos a culpar as alterações climáticas, esperamos que chegue o inverno e mudamos de assunto.

Compreendo bem que, depois de décadas a ouvir os mesmos argumentos e as mesmas promessas, estejamos todos cansados e desesperados por alguém que meta ordem nisto. Mas quem? Se calhar, o melhor é entregar já o Governo a André Ventura e resolvemos este e outros problemas de uma vez. 

Senão, reparem. 

Luís Montenegro criticou na oposição o que fez enquanto primeiro-ministro. Já vai no segundo erro de casting na escolha de ministras para a Administração Interna e o melhor que tem para dizer ao país sobre a falência do Estado é que vai dar dinheiro a quem teve prejuízos. Ao ministro das Finanças já lhe deve doer a mão de tanto cheque que tem passado. 

Mas a ironia suprema vem do lado do PS. Com uma originalidade assinalável, José Luís Carneiro acusa o Governo de Montenegro de ter revertido as grandes “reformas” do PS. E vem propor — preparem-se — uma comissão técnica independente. Isso mesmo: num golpe de asa nunca antes visto, o secretário-geral do PS vem propor que se constitua uma comissão técnica semelhante à que foi criada depois dos grandes incêndios de 2017, cujas conclusões e recomendações ficaram quase todas por implementar. Não porque não fossem boas, mas porque o Estado foi incompetente para as implementar. 

Resta-nos, por isso, André Ventura. O líder do Chega decidiu ir para estrada para gravar umas curtas-metragens para as redes sociais onde finge estar a apagar uns fogachos, para mostrar que, ao contrário dos políticos do sistema, ele é diferente. Numa ação de propaganda risível, mas altamente eficaz, ele mostra que é um político que arregaça as mangas e suja as mãos. 

Agora que as chamas estão apagadas, Ventura passou para a fase dois de um plano que nunca falha: uma Comissão Parlamentar de Inquérito, curiosamente, a mesma proposta que o Bloco de Esquerda apresentou. Assim, mantém-se a bola no ar, garante-se palco mediático durante mais uns meses e, de uma assentada, consegue-se desgastar os dois partidos que têm alternado no Governo nas últimas décadas: o PS e o PSD.  Não previne incêndios futuros, mas também não é isso que André Ventura quer. Quanto mais o país arder, mais o eleitorado olha para ele como o “bombeiro” que nos pode salvar a todos. 

Ninguém intelectualmente honesto pode afirmar que é possível acabar com os incêndios. Há fatores humanos, geográficos e climáticos que, infelizmente, vão continuar a contribuir para que o país arda. Mas a incompetência política de sucessivos Governos tem contribuído para que os incêndios se estejam a tornar cada vez maiores, mais frequentes e mais destrutivos. Nesta, como noutras matérias, um dia o eleitorado vai perguntar-se: se o PSD e o PS são incapazes de travar este declínio, talvez seja mesmo tempo de dar a oportunidade a outros. E, nesse dia, será tarde demais.