A Têxteis J.F. Almeida S.A, a Polopiqué Comércio e Indústria de Confeções, S.A, a Polopiqué – Acabamentos Têxteis, S.A e a Stampdyeing, Serviços, Lda têm em comum facto de terem dado entrada nos tribunais, ao longo deste mês de agosto, de pedidos para Processos Especiais de Revitalização (PER). As quatro empresas fazem parte do universo de grandes grupos têxteis com ramificações por todo o Vale do Ave (Guimarães, Famalicão e Santo Tirso) que empregam diretamente, aproximadamente, duas mil pessoas. No caso da J.F., Almeida, apenas as instituições de crédito são afetadas por um processo que pretende fazer um reescalonamento da dívida face a dificuldades de tesouraria, mas, na Polopiqué estão previstos despedimentos e, no processo mais recente, na StampDyeing os trabalhadores têm recebido sinais contraditórios e temem pelo seu futuro.
Com 54,5 milhões de euros de dívidas a Polopiqué Comércio e Indústria de Confeções está com dificuldade para honrar os compromissos. Apesar de um volume de negócios de 81,1 milhões de euros em 2024, mais 19,5% do que no período homólogo e de um resultado líquido de 1,3 milhões de euros, mais 35,9% que em 2023, a empresa apresentou, no Juízo de Comércio do Tribunal de Santo Tirso, um pedido de PER. Entre outras medidas, o plano prevê o despedimento de 76 trabalhadores, num universo de 258.
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O PER é um mecanismo previsto no CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas) que permite às empresas em situação económica difícil, mas com capacidade de recuperação, negociar com os credores. O plano pode incluir o prolongamento dos prazos para o pagamento da dívida, perdão de dívidas e juros (haircut), conversão de créditos em capital e alterações ao modelo de negócio.
No caso da Polopiqué Comércio e Indústria de Confeções, as razões apontadas para as dificuldades são: o impacto “profundo e transversal” da pandemia de covid que “provocou perturbações significativas nas cadeias logísticas e de abastecimento e reduziu substancialmente a procura por parte dos mercados”; o aumento dos custos de contexto, nomeadamente a inflação dos preços das matérias-primas e da energia, a subida das taxas de juro e o aumento do custo da mão de obra; o contexto geopolítico com a invasão da Ucrânia pela Rússia, o conflito entre Israel e o Hamas e a imposição de tarifas por parte dos EUA. Neste quadro, a empresa queixa-se de dificuldades de acesso a crédito bancário, por um aumento da “perceção de risco por parte das instituições financeiras”.
Despedir pessoal e encerrar unidades
Só à banca, a Polopiqué Comércio e Indústria de Confeções deve 24,2 milhões de euros. Somam-se 14,5 milhões de euros de dívida a fornecedores, 1,7 milhões a entidades públicas, mais 4,8 milhões de outras dívidas e 9,4 a credores subordinados (empresas do grupo), num total de 54,5 milhões de euros. Para resolver os problemas que enfrenta, a empresa propõem-se a executar várias medidas: externalização de parte da produção; encerramento da fiação de Vilarinho e transferência de parte da capacidade de produção para a fiação de Moreira; deixar de arrendar armazéns a terceiros; fazer uma redução de pessoal, 10 funcionários pelo emagrecimento da estrutura da Polopiqué-Comércio e 66 com o encerramento da fiação de Vilarinho; reduzir custos com seguros, cortando a cobertura aos familiares; venda de terrenos não ligados à atividade operacional e de equipamento.
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O plano aponta ainda para necessidades de caixa na ordem dos 10,4 milhões de euros, até ao final de 2025, 5,7 milhões virão de adiantamentos de clientes e 4,7 milhões correspondem a necessidades sem cobertura que terão que vir de adiantamentos de credores (o chamado new money). Da análise do balanço da empresa, conclui-se que esta tem um crédito de 26,8 milhões de euros sobre a Polopiqué SGPS (a holding que suporta o grupo detido por Luís Lopes Guimarães e a ex. mulher Filipa Alexandra Lopes Guimarães), o equivalente a aproximadamente metade do valor da dívida que está na origem do PER.
Os cinco maiores credores da Polopiqué Comércio e Indústria de Confeções são a Caixa Geral de Depósitos, Millenium BCP, Montepio Grupo Inditex e Shaoxing Aimengsi Import Export. A ser aprovado, o plano prevê o pagamento das dívidas num período de dez anos, com taxas de juro de 1% ao ano. Além desta empresa, também a Polopiqué – Acabamentos Têxteis, S.A apresentou um pedido de PER, no dia 22 de agosto. Neste caso surgem como credores o Montepio, Millenium BCP, o IAPMEI, Deolinda de Fátima da Silva Aguiar Ferreira & Filhos, Lda e Luis Durães & Filhos, Lda.
J.F. Almeida transforma dívida de curto em médio prazo
Outro gigante do setor que também submeteu um pedido de PER, no dia 21 de agosto, foi a J.F. Almeida. Segundo a direção da empresa assegurou ao MG, o processo foi negociado e “já conta com o apoio de todos os credores”. Neste caso, as medidas a implementar não afetam fornecedores, nem implicam despedimentos. “Pelo contrário, a empresa está a contratar”, garantiu o diretor de operações, João Almeida. Estão em causa cerca de 25 milhões de euros de dívida de curto prazo que passa para médio prazo, sem haircut (vai ser paga na totalidade).
“No ano passado, a J.F. Almeida aumentou a margem comercial da operação e as vendas também aumentaram. O próximo ano já está garantido com encomendas. O investimento para ampliação da área industrial, nomeadamente em maquinaria de vanguarda para garantir competitividade, criou pressão sobre a tesouraria. Contava-se com apoios comunitários que estão bloqueados, impedindo a tesouraria de ter as verbas programadas”, esclareceu a direção da J.F. Almeida.
StampDyeing tem salários em atraso, surpreendeu os trabalhadores com o PER e enfrenta um pré-aviso de greve
Esta quarta-feira, deu entrada no Juízo de Comércio do Tribunal de Guimarães mais um requerimento de PER, neste caso da StampDyeing, uma empresa do perímetro da Mabera, grupo em que se inclui a histórica Coelima. Os trabalhadores desta tinturaria/estamparia, situada em Ponte, Guimarães, estão a cumprir o horário de trabalho, mas sem produzir nada, desde 24 de junho, devido ao corte do fornecimento de gás à empresa.
A Goldenergy (fornecedor de gás) aparece como o único credor no pedido de PER. Cerca de uma centena de trabalhadores da Stampdyeing foram para férias sem receber o respetivo subsídio e salário de julho e estão preocupados relativamente ao futuro da empresa. Temem o encerramento total ou a concentração da atividade na sede do grupo, em Mogege, Famalicão.
Numa reunião com Francisco Vieira, coordenador do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes, no passado dia 19, o administrador da StampDyeing, Dâmaso Lobo, comprometeu-se com a continuidade da laboração e com o pagamento dos valores em atraso, mas até agora não cumpriu a promessa e, entretanto, soube-se do pedido de PER.
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Sobre a Stampdyeing já pesava, desde o dia 1 de agosto, um pedido de insolvência por parte de um fornecedor. Este processo será agora interrompido, se o PER for aprovado. A empresa deve retomar o trabalho, após a paragem para férias, no dia 3 de setembro. Dâmaso Lobo garantiu a Francisco Vieira e a uma delegação de trabalhadores que o abastecimento de gás será assegurado por um novo fornecedor.
Perante a entrada do pedido de PER, sem que tivessem disso sido avisados na reunião recente com a administração, impossibilitados de voltar a falar com Dâmaso Lobo e com o salário de julho e o subsídio de férias ainda em atraso, os trabalhadores decidiram apresentar um pré-aviso de greve.
No dia 1 de setembro, muitas empresas do setor têxtil regressam ao trabalho depois da paragem para férias. Francisco Vieira está atento porque sabe que é nesta altura que algumas já não abrem portas. Os sinais dados por estes grupos são preocupantes, até porque no rol de credores surgem muitas outras empresas de menor dimensão que acabam por ser afetadas por qualquer problema nas grandes. Diretamente, os três grupos têxteis mencionados nesta notícia dão emprego a cerca de duas mil pessoas, mas indiretamente representam muitos mais empregos.
(Notícia atualizada com novas informações às 09h00 do dia 28 de agosto de 2025)
Pelo Jornalista Rui Dias
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