Se gosta de gatos, da Nova Iorque da década de 90, antes do ataque às Torres Gémeas, de violência bruta mas totalmente justificada pela história, e de malfeitores étnicos, excêntricos e implacáveis, então Apanhado a Roubar, o novo filme de DarrenAronofsky, é feito à sua medida. Passado em 1998, o ano em que Aronofsky realizou a sua primeira longa-metragem, Pi, e como o seu herói, Hank Thompson (Austin Butler), vivia num apartamento manhoso no Upper East Side, Apanhado a Roubar é, tal como o próprio realizador diz – e nós confirmamos -, a sua “carta de amor” à cidade como ela era então (embora uma carta salpicada de sangue e queimada pela pólvora). E também o seu melhor filme desde Cisne Negro (2010).

[Veja o “trailer” de “Apanhado a Roubar”:]

Baseado no livro homónimo de Charlie Huston, que também assinou o argumento, Apanhado a Roubar é reminiscente das intrigas policiais de um Elmore Leonard, do universo de acção de Quentin Tarantino e de filmes novaiorquinos até à medula como Nova Iorque Fora de Horas, de Martin Scorsese (1985), Passadores, de Spike Lee (1995), ou Good Time (2017), dos irmãos Safdie, mas tem personalidade própria e pernas narrativas para andar por si. E passa-se numa Nova Iorque de ruas sujas, gente ríspida, prédios de renda controlada e bares de bairro, agressiva e “dura”, em que a máfia russa (entre outras) se estava a substituir à italiana, saída direitinha dos filmes e das séries de televisão que lá se rodavam na década de 90, e uma personagem tão importante e vívida como as de carne e osso, ou o gato Bud.

O Hank de Austin Butler trabalha num bar, é fanático de basebol (poderia ter sido uma estrela da modalidade se não tivesse tido um desastre de automóvel quando era adolescente, que o deixou com uma grave lesão num joelho e um amigo e colega morto na consciência), bebe demais, tem uma namorada paramédica, Yvonne (Zoë Kravitz) e um vizinho inglês e punk serôdio, Murray (Matt Smith), que lhe pede para tomar conta do gato, Bud, enquanto vai de emergência a Inglaterra porque o pai está muito mal. Mal Hank dá por isso, é espancado e mandado para o hospital por dois brutamontes russos, um matulão e outro minorca, que andam à procura de Murray e acham que este confiou a Hank algo muito importante que interessa ao seu patrão, um latino que usa roupas pirosas e gosta de exibir uma grande pistola prateada.

[Veja uma entrevista com Austin Butler e Darren Aronofsky:]

Apesar de se ter ido queixar à polícia e conhecido a detective Roman (Regina King), uma duraça nada e criada num bairro social da cidade, que o acautelou e lhe deu alguns conselhos, o inocente e confuso Hank acaba perseguido e em constante perigo de vida, e sempre com o gato Bud ao colo, não só pelos dois grunhos russos e pelo mandante deles, como por dois irmãos judeus ortodoxos (Liev Schreiber e Vincent D’Onofrio) que adoram a sua mãezinha, passam o tempo a lamentar o triste estado do mundo e da humanidade, matam como respiram e têm no carro um arsenal digno de uma força militar especial. E como se isto não bastasse, Hank constata ainda que a corrupção policial na cidade não é um cliché das fitas e séries do género.

[Veja uma sequência do filme explicada:]

O filme abunda em criminosos de má catadura, cabeças de betão, punhos lestos e gatilho fácil, mas ninguém rouba nada a ninguém. O título remete para uma astúcia do basebol que escapará a quem não conheça este desporto, e serve de correlativo para a situação em que Hank se vê metido. Isso não nos impede, de forma alguma, de apreciar gostosamente este thriller urbano estriado de humor negro (e com duas ou três piadas de gatos certeiras), despachado, intenso e cinético, mas sem que a realização de Aronofsky peque pelo frenesim visual e sonoro gratuito e exibicionista, ou pelo abuso de surpresas e reviravoltas no enredo, e que conta o que tem a contar em pouco mais de hora e meia.

E se alguém duvida que, a par de Nova Iorque, o gato Bud é uma das estrelas do filme, basta ter atenção à ficha técnica final de Apanhado a Roubar. Tonic, o felino que o “interpreta”, teve nada menos do que seis assistentes humanos, e outros tantos “duplos” de quatro patas. Nem Darren Aronofsky, nem Austin Butler, gozaram de tanta atenção. Como dizem os americanos, “It’s the cat´s meow!”.