O central espanhol Natán Suárez é um dos jogadores nucleares da equipa de andebol do Sporting, bicampeã nacional, vencedora da Taça de Portugal nos últimos quatro anos e uma das oito finalistas da Liga dos Campeões em 2024/25. Chegado ao clube leonino na temporada de 2021/22, pela mão do então igualmente do recém-chegado treinador Ricardo Costa, este catalão de Girona, de 27 anos, constitui testemunho fidedigno do percurso ascensional dos verdes e brancos até ao topo da modalidade em Portugal e na Europa.

– No arranque da sua quinta temporada no Sporting, acabado de celebrar 200 jogos de leão ao peito, quando chegou do seu país, em 2021, alguma vez pensou permanecer tanto tempo em Portugal e no clube e com tamanho sucesso?

– Não, na verdade, que não. Quando renovei, há dois anos, estava à conversa com o Miguel [Afonso] e o Carlos [Carneiro] (n.d.r.: diretores do Sporting para as modalidades) e recordei-lhes o tempo que se passou desde a minha chegada, e que já considerava o clube como a minha outra família. E que nunca pensei… Nunca havia estado tanto tempo num clube, para mais estrangeiro. E dizia-lhes isso.

– Sentiu-se bem acolhido desde o primeiro momento? Dou como certo que atualmente é…

– Estou com muito gosto aqui, estou muito confortável. A minha família também está bem em Portugal, estamos muito bem. A direção do clube acolheu-me de um modo especial, tal como o staff técnico. Quando decidi sair de Espanha não fazia ideia do que viria encontrar. Uma vida fora do meu país. Repito: nunca tinha jogado no estrangeiro, mas os dois países são muito parecidos, afinal são vizinhos na Península Ibérica.

– A nível desportivo, alguma vez pensou ser tão vitorioso?

– Reconheço que os dois primeiros anos foram mais difíceis, só ganhámos a Taça de Portugal. A partir do terceiro, começámos a ganhar campeonatos, supertaças e todas as conquistas que temos conseguido. Temos oito títulos consecutivos e chegámos aos quartos de final da Champions. Veremos esta época o que dá.

– Participar desde o início na ascensão do Sporting no andebol português e europeu permite-lhe identificar, como poucos, a que se deve.

– Sim, deve-se, sobretudo, ao carácter de cada um… Creio que o Ricardo [Costa, treinador da equipa do Sporting desde 2021/22, a temporada em que Natán Suarez chegou ao clube] procurou reunir-se dos jogadores com o perfil que considerou ser o certo para formar uma equipa com a matriz que pretendia. Incutiu-nos, de uma forma muito séria, que cada jogo é um jogo, e que devemos encará-lo de forma diferente do anterior e do seguinte. Estudamos o adversário, trabalhamos cada semana a 100% nos treinos, para, no dia do jogo, estarmos totalmente comprometidos e focados no temos de fazer. E jogar os 60 minutos de acordo com o nosso sistema, a nossa identidade, qualquer que seja o adversário, acreditando nas nossas capacidades, e que no auge destas podemos vencer qualquer equipa.

– Refere-se ao treinador, Ricardo Costa, que, nos tempos de jogador, teve vasta experiência no andebol espanhol (seis anos, cinco no Ademar Léon e um no Algeciras), de onde terá trazido ensinamentos e inspiração. O próprio diz que se inspirou em técnicos espanhóis para a sua carreira. Crê que a equipa do Sporting um bocado à imagem da garra e do querer do andebol espanhol?

– Sim, gosto muito das equipas de Espanha, da seleção. Digo-o sempre aos meus companheiros de equipa, e sei que sim, que ele [Ricardo Costa] trouxe muitas coisas do andebol espanhol. Tecnicamente, defensivamente… Introduziu no andebol português coisas do espanhol e fez uma fusão. É um treinador que gosta muito de estudar ligas estrangeiras, como a alemã, analisar muitas coisas de outros jogadores, e que depois implementa no seu sistema de jogo. Porque os sistemas de jogo no andebol são mais ou menos sempre os mesmos: um contra um ou dois contra dois, fazer agrupar os jogadores e fazer um passe a mais, um a menos, para chegar aos pontas, aos pivôs, aos seis metros, e estar mais perto do guarda-redes para fazer golo mais facilmente. O andebol espanhol também mais ou menos é assim. Ele teve muitos bons treinadores que o ensinaram, e agora é um deles, dos bons.

Foto Teófilo Afonso

– Com Ricardo Costa também se inaugurou uma tendência de mercado no Sporting, de contratar jovens centrais promissores espanhóis, como Natán Suarez quando chegou a Alvalade aos 23 anos de idade. Nessa altura, veio encontrar um seu compatriota, central consagrado. Que importância que teve Carlos Ruesga no seu crescimento como jogador e o que pretende passar às novas gerações de compatriotas que continuam chegar ao clube?

– Estive com Ruesga dois anos no Sporting e aprendi muito com ele, porque era um jogador mítico de Espanha, um mítico central admirado por muita gente, incluindo por mim. Foi um grande jogador, tenho-lhe muito apreço, porque ensinou-me muitas coisas. Como o Ricardo [Costa] o fez. Sabia tudo do Sporting e ajudou-me a integrar-me na equipa, no clube, a ser mais um. Desde o primeiro dia, Ruesga foi uma pessoa muito importante para mim. E agora, desde que somos dois centrais espanhóis na equipa, com o Jan [Gurri], tentei fazer-lhe o mesmo. Desde o primeiro dia, integrá-lo na equipa, tal como este ano ao Filipe Monteiro, que é outro central jovem [n.d.r.: no caso, português] que chegou esta temporada. Somos uma equipa com malta jovem e estamos todos unidos, porque queremos conseguir mais títulos e a chegar mais longe na Champions.

– Para mais títulos, pelos vistos, estão lançados, com a recente conquista da Supertaça. Mas recuando um bocadinho no tempo, o facto de não terem entrado na Final Four da Champions, o ano passado, terá amargado um pouco uma temporada de grande sucesso. O que é que faltou? O que é que vocês, no rescaldo da época, disseram uns aos outros sobre o que terá falhado e que convém melhorar para esta temporada?

– Dou nota, mais ou menos, de 9, talvez um 8,5, pela espinhita espetada, de não termos chegado à Final Four da Champions. Era um sonho para todos, de equipa na época passada, praticamente nenhum dos nossos jogadores tinha estado numa Final Four. Apenas um, o Leonel Maciel, já tinha ganho a Champions, pelo Barcelona, em 2021/22. Queríamos ganhar também. Acho que este ano vamos tentar. Esta temporada já ganhámos um título, queremos o Campeonato e Taça de Portugal, e já a Taça Ibérica no próxima fim de semana. E chegar à Final Four da Champions. Se conseguirmos, pode acontecer qualquer coisa, podemos ganhar, podemos perder, mas queremos ter essa experiência.

– A ambição é a mesma na Europa, de chegar à Final Four da Liga dos Campeões? 

– Sabemos que o grupo é difícil. Mas olhando para a época passada, o Magdeburgo, que foi o campeão da Champions, ficou em sexto no grupo. Ganharam ou empataram o último jogo, creio, e passaram em sexto. Depois chegaram à Final Four e ganharam a Champions…

– E a nível interno, os principais adversários, FC Porto e Benfica, como é que os vê?

– Sabemos que se reforçaram muito bem. Sobre o FC Porto, que já defrontámos [na Supertaça], ficámos a saber mais ou menos o que jogam, e eles a nós. No entanto, nos tempos em que estamos sabemos tudo graças ao visionamento de vídeos, aos jogos em que nos defrontamos, aos estudos. Tudo faz com que saibamos como joga cada equipa. Creio que a nossa equipa tem uma mais-valia: termos um núcleo de jogadores que estão juntos há muito tempo. Isso nos dá uma vantagem sobre o FC Porto e o Benfica, que têm feito mais trocas de jogadores no plantel. Mesmo quando chegam jogadores novos, a forma de nos entendermos dentro do campo, quando se leva quatro ou cinco anos a jogar juntos, como eu levo com o Salvador, com o Martim, com o Kiko, que com um simples olhar já sabemos onde vamos colocar a bola, por dentro ou em cruzamento, creio que é uma mais-valia em jogos importantes com o Benfica e o FC Porto. Nos últimos minutos, que são decisivos, sabemos o que temos de fazer, é quando o nosso entendimento sobressai mais.

Natán Suárez diz que está a tentar transmitir aos jogadores jovens da equipa os ensinamentos que tem adquirido em cinco anos de leão ao peito

– Isso treina-se ou tem a ver com o quê? Porque é curioso que, em muitos jogos, tanto na Europa como em Portugal, nas últimas temporada, essa ponta final da vossa equipa, foi decisiva.

– Estamos a treinar duas ou três horas todos os dias, semana após semana. Reforço: com o visionamento de vídeo e o estudo das outras equipas, quando chegamos aos momentos decisivos dos jogos, e os jogos a este nível, a alto nível, que se definem quase sempre nos últimos cinco ou dez minutos, aplicamos o que treinamos e apreendemos. Além disso, temos de saber viver com a pressão, temos de saber jogar com os nervos, temos que saber jogar no campo do adversário, em ambientes hostis, tudo isso.

– E sabem, é essa a verdade…

– Bom, creio que nos primeiros anos foi mais difícil, mas creio que depois, principalmente do segundo ano, quando começámos a ganhar o campeonato demos um salto, em qualidade, maturidade dentro do campo. Penso que sim…

-A nível individual, também é um espelho, um exemplo dessa consistência, um dos jogadores mais utilizados. Há algum segredo para essa consistência, tanto mental quanto física, para estar sempre a um nível competitivo elevado?

– Pessoalmente, creio que o Ricardo [Costa] tem muita confiança em mim, porque também levo cinco anos com ele nesta equipa, sou o central mais antigo. Comecei no Sporting quando ele também começou. Desde o primeiro momento, gostei do seu sistema de jogo. Numa de nossas jogadas disse-lhe o que podia alterar, o que podia adicionar. Podemos fazer muitas jogadas novas, diferentes e, devido ao seu carácter e ao meu, entendemo-nos bem. Isso faz parte do meu trabalho e do dele, haver confiança mútua. Da minha parte, a cada dia, passa por sacrificar-me um pouco mais…

Central fala com apreço do treinador Ricardo Costa

– Fala muito e com entusiasmo de Ricardo Costa. É curioso e até um pouco incomum um jogador assumir-se tão inspirado pelo seu atual treinador. Terá a ver com esse diálogo permanente? 

– Sim, estou grato ao Ricardo, porque, à parte de ser um bom treinador, promove a união na equipa. Está sempre muito perto, muito próximo da malta, pergunta-nos, preocupa-se com o nosso bem-estar, e percebe quando estamos mal e quando estamos bem. É algo que muitos treinadores… não é que não o façam, mas há uns que o fazem mais e outros menos. Por vezes, não quero saber nada que não seja sobre a equipa e o Sporting, mas ele [treinador] quando se reúne connosco, pergunta-nos sobre outras coisas, sobre o que sentimos no dia a dia, como estamos a passar…

– Parece que a sua atualidade é só Sporting, mas, como jogador, tem ambição de um dia jogar num clube grande do seu país?

-Gosto de viver cada época e é o que estou a fazer aqui no Sporting. A época passada para mim foi a melhor da minha carreira. O que eu vivi, pessoalmente, desportivamente, com o grupo, coletivamente, para mim foi algo espetacular! Não tenho palavras para descrever o sentimento de ver refletido em tantos jogos, depois de tanto sacrifício, resultados tão bons. Espero que este ano seja melhor, mas de momento penso a cada época, e em continuar a trabalhar para este clube, que é muito grande também.

– Qual é a sua maior ambição profissional?

– Ganhar a Champions, a nível do clube, com o Sporting. Sim, ganhar a Champions. Depois de chegar à Final Four, com esta equipa, com este staff, com todos. E a nível de seleção, gostaria muito de jogar um Mundial ou um Europeu, os Jogos Olímpicos.

– Ainda tem a pretensão de chegar à seleção espanhola?

– Muito, sim. Gostava muito de chegar à seleção espanhola, que é a seleção do meu país. Já a representei em escalões de idade inferiores, mas gostava muito de estar na seleção principal e representar o meu país em alguma competição importante.

– Como é que analisa o andebol português, a nível competitivo?

– No primeiro ano, notava muita risota dos jogadores de equipas estrangeiras, com menos respeito por sermos da liga portuguesa. Na verdade, notava isso nalguns jogos, quando jogávamos na Liga Europeia. Mas depois, na hora de jogarmos, ganhávamos por 10 e calavam-se! Notava-se no começo, no meu primeiro e segundo anos no Sporting, tinha-nos muito menos respeito do que têm agora. Creio que a partir do terceiro ano, e o FC Porto e o Benfica, depois de ganhar a Liga Europeia, também tiveram importância, Penso que foi nessa altura que o andebol português deu um salto, que ganhou maior respeito a nível mundial. Além disso, creio que antes não havia muitos jogadores e treinadores a quererem vir para clubes portugueses, e agora cada vez mais querem vir jogar nesta liga. E graças também ao trabalho que fizemos, captámos a atenção de outras ligas.

– Sente-se bem integrado em Portugal. Já são cinco anos?

– Muito, desde o primeiro dia. Também como estamos perto de Espanha, sinto-me como daqui, não só a nível do clube, mas nesta cidade. Sei que quando deixar o andebol, quando me retirar, quando não tiver nada mais para fazer a nível profissional, virei muitas vezes a Lisboa, porque que esta cidade e este clube são como uma segunda casa para mim.