Proposta de Trump foi apresentada aos aliados e à Ucrânia na reunião na Casa Branca. A ideia não caiu nada bem, até porque já tinha sido sugerida anteriormente

Tropas norte-americanas nunca farão parte das garantias de segurança a dar à Ucrânia e isso já se sabia, mas a proposta do presidente dos Estados Unidos é, no mínimo, inquietante para Kiev, já que passa por colocar soldados amigos da Rússia a mediar o conflito.

De acordo com o Financial Times, que cita quatro fontes familiarizadas com as negociações, o presidente dos Estados Unidos sugeriu que sejam destacadas tropas chinesas como forças da paz num cenário pós-guerra.

Uma proposta que, segundo as mesmas fontes, vai ao encontro do que Vladimir Putin sugeriu, até porque a China é um dos mais fortes aliados da Rússia, mesmo que tenha mantido sempre uma postura ambígua em relação ao que se passa na Ucrânia.

A proposta de Trump passa por convidar a China a enviar pacificadores que monitorizem a situação a partir de uma zona neutral ao longo dos 1.300 quilómetros da linha da frente, numa altura em que ainda não se percebe bem que linha será essa.

De resto, os aliados europeus e o presidente da Ucrânia já saberão desta ideia, uma vez que a mesma foi colocada em cima da mesa no dia em que a Casa Branca recebeu Volodymyr Zelensky e os líderes dos principais países do Velho Continente. Sem surpresa, foi algo que não caiu bem.

Em reação ao artigo do Financial Times, a administração Trump garante que esta informação “é falsa”, já que “não houve discussão sobre pacificadores chineses”. No entanto, as fontes do jornal britânico apontam mesmo nesse sentido.

Esta é uma ideia que a Europa e a Ucrânia já recusaram, até porque não é clara a posição de Pequim sobre a guerra, mesmo que nunca tenha expressado apoio oficial à iniciativa da Rússia.

Apostado em fazer a paz a qualquer custo, Trump viu nesta possibilidade uma forma de acelerar as negociações para um cessar-fogo, mas esqueceu-se que a Rússia beneficiaria mais do que a Ucrânia.

Além disso, e mesmo perante a pressão do presidente dos Estados Unidos – que agora vai esperar uma a duas semanas antes de voltar a intervir -, Rússia e Ucrânia parecem a léguas de distância de um entendimento territorial. Mesmo que ambos concordem na possibilidade de troca de territórios, ninguém parece saber como isso poderá exatamente acontecer.

Quanto à ideia em si, Estados Unidos, Ucrânia e Europa até concordam de base. Faz todo o sentido criar uma zona desmilitarizada que sirva como um tampão entre as duas partes. Não faz é sentido, na lógica ocidental, que haja forças chinesas nessa mesma zona.

E se a ideia já parece má de base na perspetiva ucraniana, a lembrança de que a Rússia sugeriu algo semelhante durante as primeiras negociações para o fim da guerra – ocorridas na primavera de 2022 em Istambul – só dão força a essa posição.

Foi nessa mesma lógica que a Rússia propôs um conjunto de “Estados garantidores” da paz, num grupo formado por Estados Unidos, Reino Unido, França, China e a própria Rússia. A ideia era garantir a defesa da Ucrânia em caso de um ataque contra o país, não sendo propriamente claro como é que isso iria funcionar caso o ataque viesse do lado russo.

Algo semelhante ao que a Rússia conseguiu em 1994, no Memorando de Budapeste, em que passou a ser um dos Estados protetores da Ucrânia, além de Estados Unidos e Reino Unido.

Tal como a possibilidade de a China estar no terreno, também este ponto é inegociável para a Ucrânia, que rejeita quaisquer negociações com estes termos. É que a Rússia queria que os cinco Estados que iriam representar aquele novo entendimento dessem unanimidade para uma intervenção militar em defesa da Ucrânia. Por outras palavras, se Moscovo decidisse voltar a atacar Kiev, bastava não aprovar a defesa do país atacado para que isso não acontecesse.

Além de tudo isso, a proposta da Rússia surgiu quando havia um claro ganho para a Rússia, que avançava a todo o gás em direção ao objetivo maximalista. Meses depois, com a contraofensiva de verão da Ucrânia, o Kremlin ficou numa zona bem mais fragilizadas, dando um maior poder de negociação a Kiev.

Quanto à China, que não se expressou muito mais para lá da sua defesa de um “papel construtivo”, o que não colou em Volodymyr Zelensky, que quer Pequim longe dos esforços de paz ou das garantias de segurança.

“Porque é que a China não está nas garantias? Primeiro, a China não nos ajudou a travar a guerra desde o início. Segundo, a China ajudou a Rússia ao abrir o mercado de drones”, afirmou o presidente ucraniano.

Uma ideia que até já vem de antes: “Não fizeram nada quando a Crimeia foi ocupada. É por isso que não precisamos de garantidores que não ajudam a Ucrânia e não ajudaram a Ucrânia quando foi mesmo preciso”.