Como alerta Marcos Pantarotto, médico oncologista da Fundação Champalimaud, como “imperativo ético e científico: o cancro do pulmão não tira férias”. Devido à progressão rápida destes tumores, o especialista destaca a importância de um diagnóstico e tratamento ágeis, especialmente durante o período estival. Nota ainda para as recomendações dirigidas aos doentes oncológicos durante o verão, enfatizando cautela com a exposição solar devido aos tratamentos (radioterapia e quimioterapia) que aumentam o risco de queimaduras, entre outros destaques científicos. Leia o artigo de opinião.

O cancro do pulmão (CP) caracteriza-se pela sua elevada agressividade e rápida progressão. Mesmo com importantes avanços no diagnóstico precoce, no tratamento da doença localmente avançada, e principalmente no tratamento da doença metastática, a sobrevivência aos 5 anos aumentou de escassos 15% para aproximadamente 20%1. Um ganho significativo, mas ainda pequeno quando sabemos que o CP é a terceira neoplasia mais diagnosticada em homens e mulheres, separadamente, e o maior responsável por anos de vida perdidos por cancro – em Portugal e no mundo.

Mais da metade dos novos casos correspondem a doença metastática, e a marcha diagnóstica exige a concertação de múltiplos meios de diagnóstico e tempo para a sua execução. Desde a consulta inicial à realização dos meios complementares de diagnóstico necessários, tomografias computorizadas (TC), PETs, biopsias e estudos moleculares, consultas de especialidade e reuniões multidisciplinares, é fundamental a atenção à implementação de estratégias de tratamento personalizadas e temporalmente otimizadas.
José Saramago nos remete à reflexão quando diz “não tenhamos pressa, mas não percamos tempo” (in A Caverna, Porto Editora). Nestas férias de verão, quando o tempo parece escorrer por entre os dedos de quem espera por uma resposta sobre o seu diagnóstico, prognóstico e tratamento, o CP progride de acordo com as suas próprias leis e tempos, independentemente dos calendários sociais ou das limitações dos nossos sistemas de saúde. Esta continuidade biológica impõe desafios significativos, particularmente durante períodos de reduzida atividade assistencial, como férias e feriados prolongados ou emergências sanitárias.

A medida do tempo certo
O tempo de duplicação do CP é variável. Estudos sugerem intervalos que vão desde os 73 dias, para tumores de células pequenas, até 223 dias para tumores de células não-pequenas.2 Como agravantes, o tempo entre o aparecimento dos primeiros sintomas e o diagnóstico do CP atinge até 570 dias, e desde a primeira consulta com um oncologista até ao diagnóstico, de até 72 dias.3
Em meio à agressividade da doença e às dificuldades práticas do diagnóstico e estadiamento, importa referir que a demora para o início do tratamento parece implicar em pior prognóstico. Uma análise retrospectiva de 130.597 doentes com NSCLC sugere, para doentes com CP em estádio I, que tempos mais curtos para o início do tratamento traduzem melhoria no prognóstico aos 65 anos.4 Análise retrospectiva da base de dados SEER corrobora esse achado, sugerindo que um tempo para início do tratamento superior a 31 dias tem impacto negativo na sobrevivência dos doentes com cancro do pulmão em estádio I.5

No contexto da terapêutica dirigida, dados de vida real corroboram a preocupação com o tempo para o início do tratamento. Em um estudo sobre o início da terapêutica preferida para 3250 doentes com CP metastático e mutação EGFR ou rearranjo ALK, um tempo inferior a um mês desde o diagnóstico até ao início da terapêutica revelou-se um importante factor prognóstico para sobrevivência, com um HR 0,74 (IC 95% 0,62-0,89).6 Esta observação é particularmente relevante considerando que o tempo necessário para o processamento de um estudo molecular do tipo NGS comumente atinge 2 a 3 semanas.
Confrontadas essas informações, temos uma ideia mais realista da importância da agilidade no diagnóstico clínico e molecular, estadiamento e tratamento dos nossos doentes.

E para os doentes?
O tempo e a qualidade de vida assumem importância cimeira nas prioridades dos doentes, e é preciso aproveitar, sempre que possível, as alegrias que a vida proporciona. Nesta época de sol, é importante recomendar aos doentes, principalmente sob tratamento oncológico, cautela na exposição, já que os tratamentos com radioterapia e quimioterapia podem aumentar o risco de queimaduras solares e outros problemas na pele, com maior dificuldade na sua recuperação.

A Associação Europeia de Dermatovenereologia desaconselha os banhos de sol e sessões de bronzeamento. É possível ir à praia, mas aconselham-se os seguintes cuidados, principalmente para os doentes sob tratamento oncológico:

  • Evitar a exposição solar entre as 10h e as 16h, quando a radiação UV é mais intensa;
  • Usar roupa com proteção solar, chapéus e óculos de sol com proteção UV;
  • Aplicar protetor solar de largo espectro (de preferência FPS 50+) e reaplicar a cada duas horas ou após nadar/transpirar. Lembrar de proteger também os lábios, com bálsamos com proteção solar (FPS 15+).
  • Recobrir as áreas da pele submetidas a radioterapia. Caso não tenha certeza sobre as áreas afetadas, consultar o seu radio-oncologista para aconselhamento individualizado, especialmente antes de exposições prolongadas ao ar livre.

O verão é também uma ótima altura para praticar exercício ao ar livre, e pode ser a ocasião ideal para iniciar uma rotina de exercícios caso ainda não o tenha feito. É importante lembrar que o exercício, além de estar relacionado com melhoria no bem-estar e satisfação pessoal, está também relacionado a melhorias no prognóstico vital para doentes com cancro. O ex-diretor do Instituto Nacional do Envelhecimento dos EUA nos anos 1980, Robert Butler, simplificava: “se o exercício pudesse ser embalado num comprimido, seria o medicamento mais amplamente prescrito e benéfico do país”.

E antes de mais, porque não lembrar que o calor, a vida ao ar livre e com a natureza, ou o convívio com a família e os amigos não combinam nada com o tabagismo. As florestas já queimam o suficiente em nosso país, e não precisamos contribuir mais para a poluição do ar, dos nossos pulmões, e da nossa saúde. O verão é uma excelente altura para parar de fumar (e tão boa quanto todas as outras!).

Em resumo…
A agressividade intrínseca e a complexidade diagnóstica e terapêutica do CP exigem uma abordagem de cuidados contínuos que transcende os calendários convencionais. Não pode existir uma silly season para o cancro.
A colaboração entre as equipas e as instituições, a partilha de recursos e a implementação de modelos de cuidados inovadores representam oportunidades para conciliar a sustentabilidade econômica dos sistemas de saúde com a exigência de cuidados oncológicos de excelência.
O imperativo ético e científico é claro: o cancro do pulmão não tira férias.

Referências

1.Siegel, R. L., Miller, K. D., Wagle, N. S. & Jemal, A. Cancer statistics, 2023. CA. Cancer J. Clin. 73, 17–48 (2023).

2.Jiang, B. et al. Lung cancer volume doubling time by computed tomography: A systematic review and meta-analysis. Eur. J. Cancer 212, 114339 (2024).

3.Zigman Suchsland, M. et al. How Timely Is Diagnosis of Lung Cancer? Cohort Study of Individuals with Lung Cancer Presenting in Ambulatory Care in the United States. Cancers 14, 5756 (2022).

4.Cone, E. B. et al. Assessment of Time-to-Treatment Initiation and Survival in a Cohort of Patients With Common Cancers. JAMA Netw. Open 3, e2030072 (2020).

5.Teng, J. et al. Impact of time-to-treatment initiation on survival in single primary non-small cell lung Cancer: A population-based study. Heliyon 9, e19750 (2023).

6.Tanvetyanon, T., Chen, D.-T. & Gray, J. E. Timeliness of EGFR/ALK Inhibitor Treatment and Survival in Lung Cancer: A Population-Based Analysis. Clin. Lung Cancer 25, e304–e311 (2024).2.