As ações da gigante imobiliária chinesa Evergrande foram retiradas da bolsa de valores de Hong Kong no início da semana. A retirada é um marco para aquela que já foi a maior empresa imobiliária da China, com uma avaliação de mercado de mais de 50 mil milhões de dólares antes do colapso sob o peso das dívidas que impulsionaram a sua ascensão.
A Evergrande é mais conhecida pelo seu papel numa crise que se arrasta há anos na segunda maior economia do mundo e os especialistas dizem que a saída de bolsa era inevitável e definitiva. «Uma vez fechada, não há volta», diz à BBC Dan Wang, diretor para a China da consultora de risco político Eurasia Group.
Outrora símbolo da ascensão económica de Pequim, passou a paradigma do colapso imobiliário do país. Após a sua colocação em bolsa em 2009, a Evergrande tornou-se uma das empresas mais procuradas da China, com a capitalização de mercado a atingir um pico de 51,7 mil milhões de dólares em 2017.
A negociação das ações da empresa estava suspensa desde janeiro de 2024, quando recebeu uma ordem de liquidação, com o seu valor de mercado a cair para pouco mais de 275 milhões de dólares.
Declínio
Há apenas alguns anos, o Evergrande Group era um exemplo do milagre económico da China. O seu fundador e presidente, Hui Ka Yan, ascendeu de origens humildes na China rural ao topo da lista da Forbes das pessoas mais ricas da Ásia em 2017.
Desde então, a sua fortuna baixou cerca de 45 mil milhões de dólares em 2017 para menos de mil milhões, uma queda tão extraordinária quanto a da sua empresa.
Em março de 2024, Hui foi multado em 6,5 mil milhões de dólares e banido do mercado de capitais da China para sempre por ter sobre estimado as receitas da sua empresa em 78 mil milhões de dólares. O credores procuram recuperar dinheiro através dos bens pessoais de Hui. A Evergrande foi construída com 300 mil milhões de dólares em empréstimos, o que lhe valeu o título de imobiliária mais endividada do mundo. O declínio começou com as novas regras introduzidas por Pequim, que levaram Evergrande a vender os seus imóveis com grandes descontos para garantir liquidez e manter o negócio a funcionar.
Com dificuldades em pagar os juros, a empresa entrou em incumprimento e após alguns anos de disputas judiciais o Tribunal Superior de Hong Kong ordenou que a empresa fosse liquidada em janeiro de 2024. As ações da Evergrande estavam sob ameaça de exclusão de bolsa desde então, pois foram suspensas de negociação após a ordem judicial.
Nessa altura, a empresa tinha perdido mais de 99% da sua avaliação no mercado bolsista e a ordem de liquidação surgiu depois de a empresa ter falhado na apresentação de um plano viável eliminar milhares de milhões de dólares de passivos no estrangeiro.
No início do mês, os credores revelaram que as dívidas ascendem a 45 mil milhões de dólares e que a empresa tinha vendido até então apenas 255 milhões de dólares em ativos, afirmando que uma reestruturação completa «será impossível».
«O delisting agora é certamente simbólico, mas é um marco importante», afirma Dan Wang, do Eurasia Group. Resta saber que credores serão pagos e quanto receberão no processo de falência. A próxima audiência de liquidação está marcada para o próximo mês.
No momento do seu colapso, a Evergrande tinha cerca de 1.300 projetos em desenvolvimento em 280 cidades em toda a China. O grupo também incluía um fabricante de carros elétricos e o clube de futebol mais bem sucedido da China, o Guangzhou FC, expulso da liga chinesa no início deste ano após não conseguir pagar suas dívidas.
O colapso da Evergrande reflete a desaceleração do setor imobiliário chinês. Foi uma das primeiras imobiliárias a vacilar depois de Pequim lançar, em 2021, uma política que visava controlar os empréstimos agressivos e desencadeou uma crise de liquidez em todo o setor. O Governo optou por não resgatar todo o setor, numa política que evitou uma queda repentina, mas provocou uma desaceleração gradual, levando muitas empresas à quase falência.
Assim, «as dificuldades vão continuar por um longo período», diz Andrew Collier, investigador na Harvard Kennedy School ao New York Times. É uma abordagem diferente da adotada na última recessão imobiliária da China, em 2015, quando Pequim gastou centenas de milhares de milhões de dólares para os chineses trocarem de casa. A China está «muito receosa de investir dinheiro bom num mercado imobiliário que é mau», afirma Collier, acrescentando que «a ideia de que o governo vai socorrer o setor imobiliário não vai acontecer».
O mercado imobiliário continua em queda num momento vulnerável para a economia chinesa. A guerra comercial limitou a capacidade da China de acelerar o seu motor de exportação. Ao mesmo tempo, o consumo na China continua fraco. O governo investe em semicondutores, robótica e outras tecnologias, mas é improvável que estes investimentos tenham retorno rápido o suficiente para preencher o buraco deixado por um setor retração.
No seu auge, o setor imobiliário representava cerca de 30% da economia chinesa. As receitas da venda de terrenos enchiam os cofres dos governos locais. Muitas famílias chinesas voltaram-se para o imobiliário, acreditando que era um investimento seguro para as suas poupanças.
Mas agora, enquanto as novas construções diminuíram drasticamente, o número de casas disponíveis está a crescer. De acordo com o Departamento Nacional de Estatísticas da China, nos primeiros sete meses de 2025, a quantidade de novas habitações em construção em todo o país diminuiu quase 20% em relação ao mesmo período do ano anterior. No mês passado, os preços das casas novas caíram ao ritmo mais rápido em nove meses e o preço das casas usadas continua a baixar.
«A bolha imobiliária da China atingiu o seu pico em 2021 e tem vindo a esvaziar-se», afirmou Andy Xie, economista independente sediado em Xangai, citado pela CNBC. «O ajuste ainda não terminou. Mas a economia já absorveu a maior parte do impacto», acrescentou Xie sobre uma recessão imobiliária que paira sobre a economia chinesa há cinco anos. «A correção do mercado imobiliário chinês continua a ser um obstáculo, embora prevemos que o impacto seja menor nos próximos anos», diz o economista-chefe da KKR para a Grande China. À BBC, Changchun Hua estima um impacto de 1,5% no produto interno bruto da China em 2025, valor que compara com os 2,5% de 2022.
A China enfrenta uma série de problemas graves, incluindo as tarifas impostas pelo Presidente dos EUA, Donald Trump, a elevada dívida dos governos locais, o fraco consumo, o desemprego e o envelhecimento da população.
Mas os especialistas afirmam que o colapso da Evergrande, juntamente com os graves problemas enfrentados por outras promotoras imobiliários, foi o que mais afetou o país.
«A queda do mercado imobiliário tem sido o maior entrave à economia e a razão principal para a redução do consumo», afirma Wang, lembrando que o setor representava cerca de um terço da economia chinesa e era uma importante fonte de receita para os governos locais. «Não creio que a China tenha encontrado uma alternativa viável para sustentar sua economia em escala semelhante», acrescenta.
A crise imobiliária levou a «despedimentos em massa» e muitos que mantiveram o emprego no setor sofreram grandes cortes salariais. Com a queda de pelo menos 30% nos preços das habitações, muitas famílias chinesas viram o valor das suas poupanças diminuir,estando menos propensas a gastar e investir.
Apesar do mercado imobiliário ter sido um dos principais motores do crescimento económico da China, as prioridades do Partido Comunista são outras. O Presidente Xi Jinping está mais focado em indústrias de alta tecnologia, como energia renovável, carros elétricos, automação e robótica. Segundo Wang, «a China está numa profunda transição para uma nova era de desenvolvimento».