Uma juíza federal dos EUA impediu, neste domingo, a Administração Trump de deportar um grupo de crianças migrantes guatemaltecas que já estavam a bordo de aviões — e potencialmente várias centenas que se encontram em abrigos do Governo —, depois de os seus advogados terem apresentado um recurso de emergência antes do amanhecer.
A cena dramática lembrou outros recursos judiciais de última hora contra os esforços de deportação da era Trump.
Pouco depois da 1h da manhã deste domingo, o National Immigration Law Center, um grupo de defesa dos imigrantes, apresentou uma moção de emergência ao Tribunal Distrital dos EUA em Washington, D.C. para impedir a deportação de dez crianças migrantes desacompanhadas para a Guatemala.
Numa audiência rara durante um fim-de-semana prolongado (nesta segunda-feira, assinala-se nos EUA o Dia do Trabalhador), a juíza distrital Sparkle Sooknanan, que disse ter sido acordada às 2h35 e alertada sobre o caso, emitiu uma ordem de restrição temporária que suspende a deportação das crianças, com idades entre 10 e 17 anos, por 14 dias.
Sooknanan ampliou a ordem para incluir quaisquer menores guatemaltecos desacompanhados sob a custódia do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (HHS, na sigla original). A denúncia afirmava que esse grupo poderia chegar a centenas de crianças.
Sooknanan disse aos advogados do Governo que confirmassem até à tarde deste domingo que as crianças tinham sido retiradas dos aviões. Mas, já à noite, a juíza disse que o Governo não tinha feito isso e ordenou que explicasse por que havia falhado o prazo.
O Presidente dos EUA, Donald Trump, republicano, lançou uma ofensiva contra a imigração após regressar à Casa Branca em Janeiro, incluindo um esforço para localizar e deportar crianças migrantes desacompanhadas. A sua Administração chegou a um acordo com a Guatemala que permitiria que crianças desacompanhadas fossem enviadas de volta ao país, e planeava iniciar as deportações neste fim-de-semana, disseram um funcionário actual e dois ex-funcionários dos EUA à Reuters. Os planos foram noticiados pela primeira vez pela CNN na sexta-feira.
As crianças migrantes que chegam às fronteiras dos EUA sem pais ou responsáveis são classificadas como desacompanhadas e enviadas para abrigos administrados pelo Governo federal até que possam ser colocadas com um membro da família ou num lar adoptivo, um processo descrito na lei federal.
O Presidente da Guatemala, Bernardo Arevalo, disse em Julho que o seu Governo estava a trabalhar com os EUA para repatriar crianças desacompanhadas.
Durante a audiência de emergência deste domingo, Sooknanan pressionou o Departamento de Justiça para obter garantias de que as crianças guatemaltecas ainda não tinham sido deportadas. “Estamos aqui para tentar descobrir o mais rápido possível o que está a acontecer”, disse Sooknanan, nomeada pelo antecessor democrata de Trump, Joe Biden.
O advogado do Departamento de Justiça, Drew Ensign, disse que nenhuma criança tinha sido retirada do país, mas que algumas tinham embarcado em aviões. Ensign disse acreditar que um avião pode ter levantado voo, mas que, após a ordem judicial, regressou.
Um advogado do Centro Nacional de Leis de Imigração, Efren Olivares, disse ao juiz que algumas crianças ainda pareciam estar a bordo de aviões em Harlingen e El Paso, no Texas. Ensign disse que elas seriam transferidas de volta para os abrigos.
Ensign disse que todos os pais ou responsáveis das crianças na Guatemala solicitaram o seu retorno através do Governo guatemalteco, embora Olivares tenha contestado essa declaração.
O vice-chefe de gabinete da Casa Branca, Stephen Miller, criticou Sooknanan por bloquear as deportações. “Todos os menores relataram que os seus pais estão de volta à Guatemala”, escreveu Miller no X. “Mas um juiz democrata está a recusar-se a deixá-los ir ter com os seus pais.”
The Biden judge is effectively kidnapping these migrant children and refusing to let them return home to their parents in their home country. https://t.co/DAcYo2llYg
— Stephen Miller (@StephenM) August 31, 2025
O Departamento de Segurança Interna dos EUA, a agência responsável pelo ICE, e o HHS não responderam imediatamente aos pedidos de comentários. O Ministério das Relações Exteriores da Guatemala recusou-se a comentar.
“Violação clara”
Dentro do Escritório de Reassentamento de Refugiados do HHS, que cuida de crianças desacompanhadas até que elas possam ser colocadas com tutores nos EUA, surgiram sinais da nova iniciativa de deportação na semana passada.
Melissa Johnston, directora do programa para crianças desacompanhadas do HHS, enviou um e-mail aos funcionários proibindo a libertação nos EUA de crianças guatemaltecas sob custódia federal, excepto aquelas que têm pais ou tutores legais no país, de acordo com uma cópia analisada pela Reuters.
Na sua queixa no domingo, o Centro Nacional de Leis de Imigração e o Centro Young para os Direitos das Crianças Imigrantes afirmaram que as deportações seriam uma “violação clara das protecções inequívocas que o Congresso lhes concedeu como crianças vulneráveis”.
A queixa alega que, na Guatemala, as crianças “podem enfrentar abusos, negligência, perseguição ou mesmo tortura”.
Entre os queixosos há uma menina indígena guatemalteca de 10 anos cuja mãe morreu e que sofreu abusos e negligência por parte de outros cuidadores, lê-se na queixa. A menina estava detida num abrigo do governo dos EUA no Sul do Texas, de acordo com o mesmo texto.
Vários dos dez queixosos expressaram receio de regressar à Guatemala. As crianças têm estado em abrigos ou em lares adoptivos na Califórnia, Texas, Pensilvânia e Nova Iorque, diz a mesma queixa.
Reportagem de Ted Hesson, em Washington, e Kristina Cooke, em São Francisco; com Susan Heavey, em Washington, e Sofia Menchu, na Cidade da Guatemala