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Ana Lima Cecílio se prepara para vivenciar seu segundo ano como curadora da Flip
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A poucos dias da Flip 2025, que acontece entre 30 de julho e 3 de agosto, a filósofa e editora Ana Lima Cecílio se prepara para vivenciar seu segundo ano como curadora de um dos eventos literários mais prestigiados do país, que neste ano homenageia o poeta e músico Paulo Leminski. “Conversar é também um jeito de ler, porque você está ali vivendo as experiências das outras pessoas. E a Flip me deu muito isso.”
Você fica conversando com os editores, com os amigos, com os autores, com os livreiros. Fico pensando que aquelas pessoas, todas ali no auditório, estão vivendo uma experiência que eu ajudei a construir”, diz.
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Desde 2024 à frente da curadoria da Festa Literária Internacional de Paraty, Ana imprime ao evento um estilo que une consistência intelectual, sensibilidade política e olhar atento às relações humanas. Seu faro costura música, poesia e literatura, criando uma programação estrelada, que reúne autores nacionais e internacionais. “Estava relendo ‘Catatau’ e tem uma frase maravilhosa do Leminski que diz: ‘Quanto mais eu presto atenção, mais eu presto’. Fiquei pensando que o exercício de curadoria é isso: prestar atenção.”
Criada em uma família de leitores vorazes, a curadora da Flip recorda que a paixão pelos livros começou ainda na infância, com a mãe, médica de formação, que lia Monteiro Lobato e Ana Maria Machado para ela e seu irmão antes de dormir. “A gente dormia no mesmo quarto, com a cadeirinha dela no meio das camas. Eu me lembro da ansiedade de aprender a ler, para poder ler sozinha, na hora que eu quisesse.”
Formada em filosofia, Ana se aproximou do mercado editorial durante a faculdade. Ao longo de duas décadas de carreira, passou por editoras de diferentes portes, editou autores clássicos e contemporâneos, de Machado de Assis a Elena Ferrante, e construiu uma reputação sólida nos bastidores do livro. “O editor é uma figura da sombra, mas essencial para a construção da cultura”, diz ela, referenciando o artigo “Elogio da Sombra” de Paulo Roberto Pires, publicado recentemente na revista 451. “Mas a Flip me tirou dessa sombra.”
A passagem silenciosa da maternidade
A maternidade foi um divisor de águas na trajetória da editora. Após o nascimento do filho, mergulhou em um período de dedicação intensa aos cuidados do bebê, mas logo sentiu a necessidade de retomar a atividade intelectual. “Amo meu filho e adorei passar cada pedacinho quando ele era muito bebê”, diz. “Mas chega uma hora em que você precisa fazer algo que não seja amamentar, levar na pracinha, fazer papinha.”
Foi nesse momento que encontrou acolhimento na figura da editora Heloisa Jahn, com quem havia trabalhado na edição das obras completas de Machado de Assis. “Ela me passou um monte de trabalho. Eu disse que não daria conta de tudo, mas ela respondeu: ‘Se você não conseguir, eu te ajudo. O importante é que você tenha o que fazer.’”
Com essa rede de apoio, Ana conseguiu reingressar no mercado, mesmo enfrentando dificuldades logísticas e emocionais no início. “Teve hora em que eu pensei: não vou conseguir cumprir esse prazo. Mas a gente fazia junto.”
A experiência foi tão marcante que, com o tempo, ela passou a retribuir. “É incrível essa passagem silenciosa que as mulheres fazem na maternidade. Eu também ofereci trabalho para colegas que estavam nesse momento. Sempre fico atenta: ‘Você já está com vontade de trabalhar? Se quiser, a gente arruma alguma coisa.’”
Seu filho tinha dois anos quando surgiu o convite para trabalhar na Editora Globo, uma oportunidade profissional que exigiria adaptações para acomodar trabalho e família. Recorreu aos pais em busca de orientação e ouviu de seu pai que talvez não fosse o momento. A mãe deu a resposta derradeira: “Seu pai falaria isso para o seu irmão? Claro que não. Vai pegar esse trabalho.” Foi o empurrão de que precisava para acomodar as mudanças e aceitar o cargo. “Foi um dos períodos mais criativos da minha vida. Editei Elena Ferrante, Honoré de Balzac, Michel Foucault. Se não tivesse ouvido aquela bronca da minha mãe, talvez tivesse deixado passar.”
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Ana Lima trouxe Elena Ferrante para o Brasil pelo selo Biblioteca Azul
Ferrante Fever
A descoberta de Elena Ferrante foi um marco na trajetória profissional de Ana Lima Cecílio. Em uma viagem a Nova York, em 2014, a editora percebeu o nome da autora italiana se proliferando nas prateleiras de várias livrarias. Em uma delas, um aviso chamava a atenção: Ferrante Fever. “Pensei: deixa eu ver o que é isso aqui.”
A leitura começou ainda no quarto do hotel. Ana comprou a tradução em inglês de “A amiga genial” e, antes do fim da primeira noite, já havia lido metade do livro. “Era muito bom. Ferrante inaugurava um jeito novo de mulheres falarem de mulheres, de explorarem relações femininas com profundidade e complexidade.”
O que mais a impressionou foi o retrato de personagens femininas fora dos papéis tradicionais. “Não eram mulheres falando só dos seus amantes, nem estavam a serviço de histórias de maternidade. Era uma mulher na sua inteireza.”
A identificação foi imediata, e a decisão de trazer a Tetralogia Napolitana de Elena Ferrante para o Brasil, inevitável. O projeto se concretizou em 2015, pelo selo Biblioteca Azul. O sucesso veio logo depois: os três primeiros volumes da série — A amiga genial, História do novo sobrenome e História de quem foge e de quem fica —, junto ao romance Dias de abandono, alcançaram a marca de 94 mil cópias vendidas em 2016. A autora conquistou leitores apaixonados e gerou discussões intensas sobre suas personagens. “Todo mundo odiava o Nino, torcia pela Lila, depois ficava com raiva da Lila e fazia as pazes com ela. Era uma literatura viva, muito colada na vida.”
A Lábia viral
“O amor pelas histórias é humano, mas vivemos uma cultura da distração. O celular é o grande inimigo da leitura.”
Ana Lima Cecílio
Com mais de 7 mil assinantes em sua newsletter na plataforma Substack, criada em janeiro deste ano, A Lábia, ela tenta contra-atacar esse cenário com humor e uma enxurrada de sugestões literárias. “Ler 15 minutos por dia já faz diferença. Livro tem que ser prazer. Se não está bom, larga. Vai para o próximo.”
Já o tempo gasto rolando o feed no celular raramente resulta em algo significativo. “Quinze minutos no Instagram não te dão absolutamente nada”, diz. “Mesmo que seja apenas para ler duas ou três páginas, é um pedaço de um livro e outra qualidade de atenção.”
5 autoras que todo mundo deveria ler, segundo Ana Lima Cecílio, editora e curadora da Flip:
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- Natalia Ginzburg – “Uma das mulheres mais importantes da minha vida.” Destaque para “Pequenas Virtudes”, um livro de ensaios que ela costuma presentear a amigas grávidas.
- Lucia Berlin – Autora do clássico “Manual da Faxineira”. “Ela fala da vida da mulher por ela mesma, com liberdade.”
- Eve Babitz – Ícone da contracultura de Los Angeles. “Você tem vontade de viver como ela.”
- Rosa Montero – Escritora espanhola que estará na Flip. “‘A Louca da Casa’ é um livro transformador.”
- Sigrid Nunez – Escritora americana. Destaque para “O Amigo” e “O Que Você Está Enfrentando”. “Ela é bem-humorada, profunda e comovente.”
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