Análise de dados logísticos revela uma Rússia cada vez mais dependente de aliados asiáticos, enquanto esgota os seus antigos arsenais soviéticos
Mais de três anos após o início da invasão em grande escala da Ucrânia, a Rússia enfrenta um desafio logístico crescente: os seus vastos arsenais herdados da era soviética estão perigosamente próximos de se esgotarem. A informação é avançada pelo Instituto da Escola de Economia de Kiev (KSE), que analisou dados logísticos detalhados sobre o movimento de equipamentos e materiais militares.
Segundo o relatório, o envio de material militar das principais zonas de armazenamento da Rússia para a frente de combate caiu drasticamente. Em 2022, no auge da ofensiva, foram transferidas cerca de 242 mil toneladas. Em 2025, esse número deverá cair para 119 mil toneladas, uma redução que os analistas interpretam como sinal de que os recursos disponíveis estão praticamente esgotados.
Pavlo Shkurenko, analista do KSE, afirma que o ritmo atual de envio já não corresponde sequer à capacidade das instalações de reparação militar: “O equipamento mais fácil de restaurar e de melhor qualidade já foi mobilizado. O que resta é mais difícil de recuperar ou está inutilizável”.
A Rússia tem recorrido intensivamente a equipamentos antigos para manter o esforço de guerra, incluindo tanques T-72 e T-80, introduzidos nos anos 1970, e até tanques T-54, cuja produção remonta aos anos 1940. No entanto, esta estratégia parece já não ser suficiente.
Apesar desta aparente escassez, especialistas como Franz-Stefan Gady, analista militar baseado em Viena, alertam para leituras precipitadas. Em declarações citadas pelo Financial Times, defende que a redução no envio de veículos blindados também pode refletir uma adaptação tática das forças russas, e sublinha que Moscovo está a investir fortemente na reconstrução dos seus stocks.
Dependência crescente da Coreia do Norte e do Irão
O que mais surpreende na análise do KSE é a nova teia de dependências que Moscovo está a tecer com aliados asiáticos. Mais de metade dos explosivos entregues às forças russas em 2024, medidos em peso, chegaram do porto de Nakhodka, na costa do Pacífico, uma rota que liga diretamente à Coreia do Norte.
Antes da guerra, não havia qualquer registo de fornecimentos militares desta origem. Agora, estima-se que só em 2024, tenham sido enviadas 250 mil toneladas de materiais explosivos por essa via. O chefe da inteligência militar ucraniana, Kyrylo Budanov, afirmou recentemente que cerca de 40% da munição usada pela Rússia provém de Pyongyang, uma estimativa apoiada pela análise do KSE e por avaliações da inteligência sul-coreana, que apontam para o envio de 28 mil contentores, além de mísseis balísticos, obuses e até tropas.
“O contraste com a imagem de autossuficiência militar que Moscovo tenta projetar é absolutamente chocante”, destaca Shkurenko.
Outro aliado envolvido é o Irão. A análise do KSE identifica cerca de 13 mil toneladas de explosivos que, pela sua entrada na cadeia logística perto do mar Cáspio, terão origem iraniana.
Embora Pequim insista em que não fornece armamento letal à Rússia, os dados logísticos mostram um papel cada vez mais central no funcionamento da indústria militar russa. Desde 2021, os envios de maquinaria e componentes das regiões fronteiriças chinesas para zonas industriais militares da Rússia duplicaram, ultrapassando os três milhões de toneladas.
“Mesmo sem fornecer munições ou armas, a China está a garantir os meios para que a máquina militar russa continue a operar”, afirma Lucas Risinger, outro analista do KSE.
Segundo Gady, a Rússia parece estar a usar as munições norte-coreanas para manter um ritmo constante de fogo na frente ucraniana, ao mesmo tempo que preserva as suas munições de fabrico nacional para cenários futuros, “possivelmente até um conflito com a NATO”.