Escrevo esta crónica quando já passaram mais de 24 horas da derrota do Sporting no jogo contra o FC Porto e quando já estou suficientemente conformada para ser relativamente imparcial — peço perdão pelo relativamente, mas como já referi noutros textos, nunca há isenção total quando os nossos clubes estão envolvidos na discussão. Ainda assim, e por muito que me custe admitir, o FC Porto mereceu ganhar o jogo.
Confesso que logo após o término da partida, ainda em pico de frustração, me agarrei um bocadinho à arbitragem e ainda barafustei com o remate de Luis Suárez que bateu no braço de Nehuén Pérez e com aquela disputa de bola entre Geny Catamo e Francisco Moura onde os jogadores acabaram por cair abraçados. Mas hoje, depois de respirar fundo e de rever várias vezes as imagens, pouco me sobrou dessa indignação: o braço de Nehuén Pérez estava em posição natural, junto ao corpo, e Geny e Francisco Moura dividiram raça, mãos e responsabilidades no lance.
Dito isto, não acho que o FC Porto tenha sido tão superior ao Sporting como muitos parecem querer pintar, mas assumo que foi um justo vencedor — não só pelo que fez dentro de campo, mas também pelo que fez no mercado e pelas escolhas e estratégias do seu treinador que foi, claramente, superior a Rui Borges na preparação do encontro.
E por falar em Rui Borges… Eu sei que não tenho conhecimentos técnicos para questionar ou discutir a opção de treinadores profissionais, mas não consigo sossegar a treinadora de bancada que mora em mim e que insiste em fazer em loop as mesmas quatro questões:
1 — Como é que Geny Catamo continua a ser titular indiscutível?
2 — Quenda está de castigo por já ter sido vendido?
3 — Porque é que Vagiannidis não entra no onze inicial?
4 — O que raio faz Eduardo Quaresma no banco?
E sim, eu sei que quando não ganhamos é sempre muito fácil questionar as escolhas dos treinadores, até porque, adaptando o provérbio, de treinador e de louco todos temos um pouco. Mas juro que as minhas questões não são de hoje e que não me conformo que o nosso mercado tenha sido mais para reforço do banco do que da equipa propriamente dita.
Enfim, tendo deixado claro que não me parece que tenhamos sido vítimas de outra coisa que não da nossa própria estratégia, deixem-me agora apontar as palavras para a outra situação que, infelizmente, marcou este jogo. E antes de entrar no tema propriamente dito, faço a ressalva: eu sou uma mãe que leva, sempre que pode, os filhos de sete e oito anos ao Estádio José Alvalade e que defende que o futebol é e deve ser sempre um espetáculo para famílias.
Lembro-me de há uns dez anos, ainda sem filhos, ter decidido levar o meu sobrinho, na altura com onze anos, exatamente a um Sporting–FC Porto, e de a minha irmã ter hesitado dias até finalmente autorizar. Porque uma coisa, dizia ela, eram jogos contra equipas mais pequenas, sem claques organizadas, e onde a probabilidade de incidentes era muito baixa. Outra eram jogos contra FC Porto e Benfica, sendo que, ainda por cima, o nosso lugar ficava quase pegado à rede que engaiolava os adeptos da equipa adversária. Nessa altura, como agora, bati o pé.
Expliquei-lhe que o nosso lugar era no meio de famílias, que nunca tinha ali presenciado qualquer violência, que sempre me tinha sentido segura e que as claques adversárias nestes jogos eram muito bem vigiadas. E nesse jogo, efetivamente, correu tudo lindamente. Já no jogo deste sábado foi a selvajaria que se viu — e a única razão de eu não estar lá com os meus filhos foi mesmo o estado avançado de gravidez em que me encontro. Mas o ponto é que podia ter estado. E podia ter estado exatamente no setor que levou com a chuva de vidros, tal como o estavam outras mães e pais com os respetivos filhos. Famílias para quem os jogos são momentos de partilha e criação de memórias. Famílias que não merecem ver a sua integridade física ameaçada por um bando de energúmenos que pura e simplesmente não deviam sequer poder partilhar espaço com gente civilizada.
Tenho lido, nas últimas horas, muita gente a criticar o Sporting e a dizer que é inadmissível que exista vidro no setor destinado aos visitantes. Gente essa que seguramente se esquece que nenhum vidro se parte sozinho. Ou alguém acha mesmo que, no primeiro golo do FC Porto, o vidro estalou e cedeu de alegria?
E não deixa de ser engraçado ver órgãos de comunicação social de referência no nosso país referirem que o vidro caiu, assim sem mais, como se a queda tivesse acontecido espontaneamente, talvez por obra e graça do Espírito Santo.
Há vários vídeos onde se podem ver adeptos do FC Porto a pontapear os vidros num ato tão marginal como negligente. Estes adeptos, lamento, sabiam bem que tinham gente por baixo e, como tal, estavam cientes das consequências que os seus atos de vandalismo podiam ter — e que tiveram mesmo, uma vez que 17 adeptos sportinguistas acabaram a ser assistidos e que um deles teve mesmo de ser conduzido ao hospital. Mas essa consciência não os impediu de ter comportamentos mais próprios de animais irracionais do que de seres humanos com o córtex pré-frontal já totalmente desenvolvido.
E não, não me venham agora justificar estes atos de vandalismo com a euforia dos festejos, porque eu também fico eufórica quando festejo golos do Sporting, mas garanto que mantenho o discernimento para não colocar em causa a segurança de ninguém. E não, não me falem também do Nuno Santos que fui a primeira a criticar pelo que fez em Aveiro e para quem achei pouco os oito jogos de suspensão — e, ainda assim, Nuno Santos não andou propriamente aos pontapés ao vidro depois de uma parte já ter colapsado, pois não?
Quando escrevo esta crónica, o Sporting, aparentemente, já fez queixa no Conselho de Disciplina e procura, e bem, responsabilizar o FC Porto pelo ocorrido. E eu só espero que o Conselho de Disciplina atue com mão pesada, assim como as restantes autoridades competentes do nosso país. Porque gente desta, garanto-vos, não faz falta nem nos nossos estádios nem no nosso futebol. Alvalade sempre foi uma casa segura para as famílias sportinguistas, assim como todos os estádios deveriam ser. Que não se permita que meia dúzia de arruaceiros acabem com esse conforto e que se interditem dos recintos desportivos nacionais todos aqueles que, envolvidos neste ato de vandalismo, sejam passíveis de ser identificados.
No pódio
Que monstro do futebol é João Neves. O hat trick frente ao Toulouse, primeiro da sua carreira, serviu para confirmar aquilo que há muito se sabe, mas que é cada vez mais evidente: o miúdo, vindo do Benfica, não sabe jogar mal. Passes milimétricos, uma energia sem fim, golos do outro mundo… Até o jornal L’Équipe, referência desportiva em França, lhe atribuiu uma nota 10/10 — algo que só aconteceu com 20 jogadores desde que o jornal existe. A minha vénia ao miúdo que, ainda por cima, é dono de uma simplicidade e de uma humildade desarmantes.
Na bancada
Alguém que prescreva benzodiazepinas a Bruno Lage com urgência porque o treinador do Benfica precisa, claramente, de se acalmar. Eu compreendo que a pressão que enfrenta, depois de ter perdido campeonato e Taça a época passada e com umas eleições à porta, seja elevadíssima. Mas nada disso justifica o descontrolo emocional que o treinador tem mostrados nos últimos jogos e que, no último, inclusivamente, merecia ter sido duramente sancionado.