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O maior sucesso de Putin decorre do seu maior fracasso. Entre as exigências de Moscovo para que a Ucrânia entregue o Donbass e as reuniões no Alasca, a mais recente campanha militar da Rússia expõe uma verdade incómoda: o Kremlin ainda não conquistou o leste da Ucrânia, três anos e meio de invasão em grande escala. No entanto, nas cidades sob controlo de Kiev, algumas das maiores empresas ocidentais agem como se Putin já tivesse ganho. Aliados inesperados que antes prometeram apoiar a Ucrânia cederam silenciosamente uma vitória estratégica que a Rússia é incapaz de alcançar no campo de batalha.

Em causa, lembrou o jornal espanhol ‘El Confidencial’, está o apoio dos gigantes tecnológicos às ambições do Kremlin, ‘escondendo-se’ atrás das sanções impostas pelo Ocidente.

Alguns dos gigantes são-lhe familiares: a plataforma para escolher alojamento de férias, aplicações para ouvir música e mesmo instituições bancárias internacionais. Todos oferecem os seus produtos na Ucrânia, aos ucranianos que vivem dentro e fora do país. No entanto, embora os seus serviços operem em cidades como Kiev, Lviv, Kharkiv e Odessa, estão bloqueados em zonas povoadas das regiões de Donetsk, Zaporizhia e Kherson — sob total controlo ucraniano. E, não, não se trata de uma falha técnica.

Considere a sua ligação à internet como a sua casa e o IP o seu endereço: ter um código postal nunca foi suficiente para se receber correio, é necessário um carteiro. Este é o papel de plataformas como o Revolut, Airbnb, Spotify e TikTok, os ‘carteiros’, que decidem se entregam ou não os seus serviços com base no local onde acreditam que vive. Uma decisão que tomam com base no seu endereço digital, ou seja, no IP.

Mas, para centenas de milhares de ucranianos, não chega nada. Os serviços a que qualquer europeu ou compatriota têm acesso estão bloqueados na sua região. É como se o carteiro se recusasse subitamente a entregar a correspondência em sua casa. Mas esse não é o problema principal; é a incapacidade das empresas em explicar a sua decisão. Contactadas pelo ‘El Confidencial’, todas se basearam no mesmo argumento: sanções económicas contra a Rússia. No entanto, que sanções afetam as cidades sob controlo de Kiev? Nenhuma.

A Wise e a Revolut, duas das plataformas de pagamento mais populares, com mais de 50 milhões de clientes europeus, foram convidadas a comentar: a primeira não ofereceu explicações e solicitou que todas as respostas fossem mantidas em sigilo. A sua concorrente usou a mesma desculpa das outras empresas. “A Revolut deve cumprir as leis e regulamentos de sanções da ONU, da UE, do Reino Unido e dos EUA”, explicou o responsável de comunicação no Reino Unido.

No entanto, se as sanções não se aplicam nestes territórios, será que os gigantes tecnológicos consideram já todo o território de Donetsk, Kherson e Zaporizhia ocupado, ou mesmo parte da Rússia, como a reforma constitucional de Vladimir Putin proclamou em 2022?

E se não fosse esse o caso, porque é que não conseguem diferenciar entre as áreas sob controlo ucraniano e as áreas ocupadas pela Rússia dentro da Ucrânia? “O Revolut tem a responsabilidade legal e regulamentar de cumprir todos os regimes de sanções aplicáveis ​​da ONU, UE, Reino Unido, EUA e todas as outras jurisdições em que opera. (…) O Revolut aceita transferências e pagamentos com cartão para residentes ucranianos, exceto em áreas sancionadas. O Revolut não opera na Rússia”, explicou a instituição bancária.

O Revolut, que conta com mais de 700 mil clientes ucranianos na UE e no Reino Unido, lançou mesmo um cartão de débito promocional (para pagamentos) com as cores da bandeira ucraniana, apelando aos utilizadores para “mostrar solidariedade”. No entanto, o banco não consegue explicar porque é que esse mesmo cartão bloqueia todos os pagamentos em alguns territórios sob controlo de Kiev.

As restrições representam um duplo golpe para um país de refugiados, onde a hryvnia perdeu 32% do seu valor em apenas três anos. Tanto a Revolut como a Wise são linhas de vida financeira para muitos refugiados, facilitando o envio de moeda estrangeira, protegendo as suas poupanças e permitindo-lhes armazenar fundos em moedas fortes como o euro, a libra esterlina ou o dólar.

No entanto, nem todas as empresas estão a usar as sanções como desculpa. Os supermercados, cafés e empresas perto das linhas da frente continuam a processar os pagamentos diariamente via Visa e Mastercard. Ambas deixaram de emitir novos cartões na Rússia após 2022.

A Google foi o único gigante tecnológico a retificar a situação. Em março de 2022, notificou os seus utilizadores que iria suspender os seus serviços, deixando particulares e empresas sem acesso até a ferramentas básicas como o Gmail. Viria a fazer ‘marcha-atrás’.