Em causa está a realização de eleições. Ou a não realização

Trump vai cancelar as eleições? Os democratas estão cada vez mais alarmados

por Aaron Blake, CNN

Quando o presidente Donald Trump se reuniu com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no mês passado, o tema foi a importante questão do fim da invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas, a certa altura, Trump fez um provocador desvio para falar sobre política interna.

Zelensky observou que, na Ucrânia, a lei não permite eleições durante períodos de lei marcial.

“Então você diz que durante a guerra não se pode ter eleições?”, reagiu Trump. “Então, deixe-me apenas dizer, daqui a três anos e meio — então você quer dizer que, se por acaso estivermos [os EUA] em guerra com alguém, não haverá mais eleições? Oh, isso é bom.”

Seguiu-se uma gargalhada. Trump questionou em voz alta o que as “notícias falsas” fariam com o seu comentário.

Mas, cada vez mais, os democratas não se estão a rir.

Um número crescente de democratas argumenta que Trump fará algo para tentar cancelar ou controlar as eleições para manter o seu poder.

Tal pode parecer ridículo para alguns. Trump não disse explicitamente que planeia cancelar as eleições e afirmou no mês passado que “provavelmente não” se candidataria a um terceiro mandato, o que a Constituição proíbe de qualquer forma. Mas o presidente certamente já levantou tais possibilidades antes e fez muitas coisas antidemocráticas. E as suas medidas extraordinárias para assumir mais controlo sobre o processo eleitoral e enviar tropas para o território dos EUA já estão a fazer soar os alarmes (um juiz disse na terça-feira que Trump estava, na verdade, “a criar uma força policial nacional com o presidente como seu chefe”).

O governador de Illinois, JB Pritzker, afirmou no domingo que a ameaça de Trump de enviar tropas para cidades como Chicago fazia parte do plano.

“Os outros objetivos são que ele gostaria de impedir as eleições em 2026 ou, francamente, assumir o controlo dessas eleições”, disse o governador democrata durante o programa “Face the Nation”, da CBS.

“Ele simplesmente vai alegar que há algum problema com as eleições e, então, terá tropas no terreno que poderão assumir o controlo se, de facto, lhe for permitido fazer isso.”

Pritzker, que pode ter as suas próprias ambições na corrida à Casa Branca, lembrou como Adolf Hitler levou apenas 53 dias para transformar a Alemanha numa ditadura.

“Posso dizer-lhe que o manual é o mesmo”, alegou Pritzker. “É minar os meios de comunicação social. É criar o caos que requer intervenção militar. Essas são coisas que acontecem ao longo da história e Donald Trump está apenas a seguir esse manual.”


O governador de Illinois, JB Pritzker, fala com a imprensa ao passar pela Trump Tower, em Chicago, a 25 de agosto foto Nam Y. Huh/AP

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, apresentou uma teoria muito semelhante na semana passada.

Questionado sobre os seus próprios planos para concorrer à presidência em 2028, Newsom ignorou-os, lançando dúvidas sobre se essa eleição seria justa ou mesmo se aconteceria.

Newsom falou de como a lei da agenda interna recentemente aprovada por Trump tornou a Imigração e Alfândega (ICE) a agência federal de aplicação da lei com maior financiamento, alegando que a ICE está a cada vez mais a tornar-se na “força policial privada” de Trump. Newson previu que os agentes federais seriam enviados aos locais de votação e depois antecipou que Trump tentaria suspender as eleições por completo.

“Não acho que Donald Trump queira outra eleição”, disse Newsom num evento organizado pelo Politico.

Pritzker e Newsom são os democratas mais influentes a propagar tais teorias. Mas não são os únicos.

A representante Yvette Clarke, de Nova Iorque, disse que as pessoas não se deviam rir do que Trump disse ao lado de Zelensky.

“Vejam Trump a fantasiar sobre arrastar os Estados Unidos para uma guerra como pretexto para cancelar as nossas eleições”, disse Yvette Clarke no X. “A sala pode ter rido, mas ELE NÃO ESTÁ A BRINCAR.”

O secretário de Estado do Arizona, Adrian Fontes – que administra as eleições daquele estado -, disse que a pressão de Trump para acabar com o voto por correspondência faz parte de um padrão.

“A que é que esse padrão leva?”, questionou Fontes à KTAR News local. “Leva a uma maior erosão da nossa confiança nas eleições, o que poderia levar Trump a determinar que existe uma emergência e cancelar as eleições de 2026.”

Fontes acrescentou: “É para aí que todas as provas apontam e, a cada passo, Donald Trump dá-nos mais uma razão para acreditar que isso pode ser verdade”.

E o procurador distrital de Filadélfia, Larry Krasner, disse na semana passada ao programa “Early Start”, da CNN, que o uso de tropas nas cidades por parte de Trump é uma tentativa de criar um pretexto.

“A única crise aqui é Donald Trump e ele quer uma crise porque quer uma desculpa para cancelar as eleições no futuro”, afirmou Krasner.

“Ele está a falar sobre o cancelamento das eleições devido a uma crise onde não há crise. Os Estados Unidos precisam de acordar. Isto é sério. Temos funcionários eleitos que não dizem nada e não fazem nada.”

Todos estes avisos podem parecer bastante alarmistas e conspiratórios. Trump certamente não tem poder legal para cancelar as eleições sob a lei federal.

Mas Trump também simpatizou com essas ideias muitas vezes e demonstrou um verdadeiro desrespeito pelas normas democráticas e pela lei eleitoral:

  • Trump não só tentou anular as eleições de 2020 com base em mentiras sobre fraude eleitoral como mais tarde transformou aqueles que invadiram o Capitólio dos EUA, a 6 de janeiro de 2021, em algo semelhante a heróis da direita MAGA;
     
  • Trump tem repetidamente falado sobre a ideia de tentar um terceiro mandato em 2028, apesar de isso ser expressamente proibido pela Constituição.
     
  • Em 2020, Trump sugeriu adiar as eleições, apesar de não ter poder para fazê-lo;
     
  • Em 2022, Trump afirmou que a suposta fraude eleitoral “permite a revogação de todas as regras, regulamentos e artigos, mesmo aqueles encontrados na Constituição”;
     
  • E, no ano passado, Trump fez comentários estranhos sugerindo que os cristãos que votaram nele em 2024 não teriam de votar em 2028 porque ele “teria tudo tão bem resolvido”.

Depois desses últimos comentários terem causado polémica, a apresentadora da Fox News Laura Ingraham convidou Trump a esclarecê-los. Trump afirmou que os seus críticos, que diziam que ele queria cancelar as eleições futuras, estavam a ser “ridículos”.

Mas Trump recusou-se repetidamente a refutar diretamente essas críticas.

O presidente dos EUA também procurou recentemente expandir o seu controlo sobre as eleições – e fê-lo unilateralmente, por meio de uma ação executiva. No início do seu mandato, procurou reforçar os requisitos de comprovação de cidadania para o registo eleitoral. E, recentemente, começou a pressionar para acabar com o voto por correspondência e as máquinas de votação.

Trump não parece ter poder para fazer nada disso. Mas o que os democratas estão cada vez mais a sugerir que pode acontecer não é uma tentativa legal de controlar ou cancelar as eleições, mas sim uma tentativa extralegal — ou uma que aproveita uma crise fabricada.

E a ideia de que Trump podia levar tudo isso demasiado longe é uma preocupação que pode não parecer tão ridícula para muitos americanos.

Uma sondagem do Public Religion Research Institute, feita no ano passado, mostrou que 49% dos americanos disseram que havia um perigo real de Trump usar a presidência para se tornar um ditador (e este não foi apenas um caso em que todos os partidários presumiram que o outro lado faria isso; apenas 28% tinham a mesma preocupação em relação a Kamala Harris).

A questão, como sempre com Trump, é se está a ser provocador apenas por provocação ou se realmente tem planos de se infiltrar no processo eleitoral para tentar manter o poder.

Os democratas estão cada vez mais a pedir às pessoas que comecem a prestar atenção.