A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) violou os direitos de acesso à informação e de participação na avaliação ambiental do projecto da mina de lítio a céu aberto em Covas do Barroso, no concelho de Boticas, falhando praticamente em toda a linha no cumprimento de uma convenção europeia, de acordo com uma deliberação do Comité de Conformidade da Convenção de Aarhus. Também a Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Norte são visadas no parecer por violarem o direito de acesso à informação no decorrer do processo.
Por fim, o Estado português é acusado de não garantir os direitos de acesso à informação e de participação, tanto no processo em concreto da mina da Savannah Resources em Covas do Barroso, como nas lacunas existentes na lei de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). A recomendação do comité é que a lei portuguesa seja revista para evitar incumprimentos, mas o ministério do Ambiente e Energia refere apenas, para já, que “as conclusões agora conhecidas terão de ser analisadas pelas autoridades competentes”.
A queixa ao comité da Convenção de Aarhus foi apresentada em Maio de 2021 pela fundação galega Montescola, à qual se juntaram como observadoras a associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB) e a MiningWatch Portugal, presentes na região. Oficialmente denominada Convenção sobre Acesso à Informação, Participação Pública na Tomada de Decisões e Acesso à Justiça em Questões Ambientais, a Convenção de Aarhus é um importante tratado da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE) em matéria de justiça ambiental.
Em comunicado enviado ao Azul, as organizações consideram que o comité vem confirmar que o processo de avaliação de impacte ambiental não garantiu o direito à participação pública, “resultado da sobreposição de critérios políticos pouco escrutinados a processos de avaliação transparentes, ponderados e independentes”. Isto tem conduzido, afirmam, a “falhas constantes das entidades públicas responsáveis pelas avaliações em assegurar o direito à informação e participação”, com uma “dimensão estrutural do incumprimento” claramente patente nas deliberações do comité da Convenção.
“Conclusões terão de ser analisadas”
As conclusões do comité, ao final de uma avaliação do caso que durou mais de quatro anos, indicam que houve incumprimentos da Convenção de Aarhus na avaliação ambiental do projecto da mina do Barroso em várias etapas. Com base nessas falhas, o comité de conformidade da Convenção de Aarhus recomenda a Portugal que altere a sua lei de avaliação de impacte ambiental de forma a cumprir, efectivamente, com as exigências da convenção, e evitar novos incumprimentos.
A legislação portuguesa permite, por exemplo, que nem todos os documentos relevantes para a tomada de decisão estejam acessíveis no âmbito da consulta pública da Avaliação de Impacto Ambiental, o que vai contra o estipulado na convenção no que toca ao acesso à informação. O período de consulta dos Estudos de Impacte Ambiental reformulados, que deve ser de até dez dias úteis, está também em incumprimento do direito à participação.
“As conclusões agora conhecidas terão de ser analisadas pelas autoridades competentes”, refere o ministério do Ambiente e Energia, numa curta resposta ao Azul. A tutela sublinha, contudo, que “a decisão sobre projectos sujeitos a AIA é tomada com base em critérios técnicos e legais, assegurando transparência, participação pública e segurança jurídica”.
Junta de freguesia satisfeita
A presidente da Junta de Freguesia de Covas do Barroso, Lúcia Dias Mó, espera que a decisão favoreça os argumentos jurídicos da autarquia, que interpôs em 2023 uma acção legal para anular a Declaração de Impacto Ambiental do projecto. Até à data, “não houve decisões importantes” favoráveis à população, com o projecto da Savannah a avançar no local, mediante resistência de vários grupos locais. “Os tribunais levam o seu tempo, não deveriam levar tanto”, lamenta a autarca, adiantando que não há datas previstas para que haja alguma decisão. “Somos pequeninos, mas não desistimos”, reforça.
Para grande parte da população de Covas do Barroso, houve várias questões que não foram acauteladas ao longo do processo. “A nossa preocupação foi sempre proteger o selo do património agrícola mundial, que muito nos honra”, sublinha a presidente da junta.
Lúcia Dias Mó acredita que as recomendações do comité da Convenção de Aarhus poderão ajudar no processo, trazendo “alguma decisão mais certa e mais justa”.
E mesmo olhando além do caso específico do Barroso, a resposta é de satisfação: “Pode ser que a partir de agora haja mais transparência com as populações afectadas, menos prepotência do poder central.”