O Tribunal Supremo da Dinamarca decidiu esta terça-feira reconhecer que Ahmed Samsam, cidadão dinamarquês de 35 anos condenado por terrorismo em Espanha, trabalhou efetivamente como agente encoberto ao serviço dos serviços de inteligência do país. A sentença põe termo a anos de negação oficial e abre caminho para que o caso possa ser reavaliado pela justiça espanhola.
Samsam foi detido em Málaga em 2017 e condenado em 2018 pela Audiência Nacional espanhola por crimes de terrorismo, após viagens a Síria entre 2012 e 2014. A acusação sustentava que tinha combatido ao lado de uma organização ligada ao Estado Islâmico (ISIS) e que difundira propaganda jihadista. No entanto, desde a primeira hora o arguido alegou que estava em missão para os serviços secretos dinamarqueses — o Serviço de Segurança e Informação (PET) e o Serviço de Inteligência Militar (FE).
Reconhecimento oficial após seis anos de prisão
Apesar de ter cumprido seis anos de prisão — entre 2018 e 2020 em León e posteriormente na Dinamarca até 2023 —, os serviços secretos nunca tinham confirmado a sua versão. Isso mudou com a decisão do Supremo, que obriga as agências a reconhecerem que Samsam foi de facto seu colaborador e recebeu dinheiro em troca de informações.
Num comunicado divulgado após o veredito, Michael Hamann, porta-voz do PET, declarou: “Temos em conta o veredito e, neste contexto, podemos confirmar que o PET e o FE colaboraram com Ahmed Samsam entre 2013 e 2014”.
Provas jornalísticas anteciparam revelação
O reconhecimento vem na sequência de várias investigações jornalísticas da televisão pública dinamarquesa DR e do jornal Berlingske, que desde 2020 publicaram provas de que Samsam tinha recebido treino, equipamento e pagamentos para as suas deslocações à Síria.
A DR chegou a divulgar áudios do antigo chefe de fontes do PET, onde se confirmava que Samsam era informador. Também relatou que, já depois de detido, agentes do serviço secreto lhe entregaram um maletim com 10 mil coroas (cerca de 1340 euros), assegurando-lhe que estavam a fazer “tudo o possível” para o tirar da prisão.
Defesa alega erro judicial em Espanha
O advogado de Samsam, René Offerson, afirmou à agência AFP que a decisão é uma vitória decisiva: “Esta sentença favorável do Tribunal Supremo permitir-lhe-á, entre outras coisas, solicitar um novo julgamento no caso penal que se resolveu em Espanha”.
Na Audiência Nacional espanhola, a acusação baseou-se em vídeos do YouTube com propaganda violenta, fotografias suas com armas e relatos de viagens suspeitas a Málaga. Contudo, investigações posteriores concluíram que o tribunal espanhol terá confundido o grupo rebelde sírio em que Samsam participou com uma organização xiita do Iraque considerada mais perigosa.
Silêncio político e críticas ao governo dinamarquês
Durante anos, o governo social-democrata da Dinamarca rejeitou pedidos no parlamento para abrir um inquérito oficial ao caso, alegando razões de segurança nacional. Os advogados de defesa lembraram repetidamente que os serviços de inteligência se recusavam a confirmar a identidade das suas fontes, argumentando que tal “comprometeria a capacidade de prevenir o terrorismo”, como explicou em tribunal o jurista Peter Biering em 2023.
Com a decisão do Supremo, a pressão política sobre o executivo dinamarquês deverá aumentar, já que a sentença valida a tese de que Samsam foi injustamente condenado em Espanha.