O restaurante La Popote, em Cheshire, no Norte de Inglaterra, que já conseguiu algumas distinções, incluindo a recomendação pelo Guia Michelin, tem uma carta de quase 140 vinhos – como bom restaurante francês que se preze, mas agora tem também disponível um menu de águas. Curiosamente a mais cara é a portuguesa, uma edição da marca Vidago: são 75cl por 21,90€; a mais barata é a inglesa Crag Spring Water (5,80€).
O menu três variedades de águas sem gás e quatro com gás (além de água da torneira, essa uma “cortesia”). Além de Portugal e Inglaterra estão presentes França, Espanha e Itália. No caso da portuguesa Vidago, saliente-se que o preço é muito superior ao que se poderá encontrar em alguns locais de venda em Portugal, talvez seguindo a tradição da diferença entre o preço de vinho numa loja e num restaurante… Fica por quase 20 euros mais no restaurante inglês.
A ideia partiu de Doran Binder, um sommelier de água certificado pela Fine Water Academy (academia que reúne produtores de água gourmet de todo o mundo), que já fornecia água ao restaurante da sua marca Crag Spring Water.
Binder não bebe álcool e, em declarações à CNN, realçou que há cada vez mais pessoas como ele. “Sou um grande apreciador de comida e, quando vou a um restaurante, apressam-se a pôr um menu de vinhos à minha frente, que é algo que não me interessa. Mas ponham-me um menu de águas à frente, que abrem logo uma nova fonte de receitas. É atractivo para os restaurantes e para os clientes, porque há cada vez mais pessoas preocupadas com a sua saúde. Trata-se, na verdade, de uma experiência epicurista”, afirma.
Consumir menos (ou não consumir de todo) álcool é uma das tendências do momento. De acordo com o relatório Estado do Sector Mundial da Vinha e do Vinho, divulgado em Abril último pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho, o consumo global de vinho estimado em 2024 foi de 214 milhões de hectolitros (mhl), uma queda de 3,3% face ao ano anterior. A confirmarem-se tais números representaria o nível de consumo global mais baixo desde 1961.
De ideia ridícula a aposta
Os proprietários do La Popote, Joseph Rawlins e Gaëlle Radigon, confessaram à CNN que começaram por achar a ideia ridícula, mas harmonizando com certos alimentos, como o queijo Manchego, o queijo Comté, o chocolate, o presunto de Parma e as azeitonas — e “tal como acontece com um vinho, o sabor simplesmente mudou”. “Foi alucinante”, referiu Rawlins, acrescentando que, assim, aprendeu que “a água não é só água”.
Cai, então, por terra, um dos ensinamentos de que a água é pura e simplesmente inodora, porque não tem cheiro, e insípida, porque não tem sabor. Mas esta ideia já não é nova. Já em 2017, um estudo do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, publicado na revista Nature Neuroscience mostrou que os mamíferos e os insectos, conseguem detectar o sabor da água.
Yuki Oka, líder desta investigação, garantiu que a língua é capaz de “reagir” à água, mas que uma parte dessa capacidade vem do cérebro. O cientista mencionou, na altura, ainda que os sensores gustativos que são estimulados pela água são os azedos, mas defendeu que o sabor da água deveria ser considerado o sexto sabor. Actualmente, a ciência reconhece que o paladar humano é capaz de distinguir cinco sabores diferentes: doce, azedo, salgado, amargo e umami.
Mas então o que determina o sabor e o aroma da água? “A medição dos minerais na água”, disse Binder à CNN. A medição é chamada de Sólidos Dissolvidos Totais, ou TDS, explicou. “A água destilada tem zero TDS. É óptima para limpar vidros, para os electrodomésticos e para a bateria do seu carro — péssima para o ser humano”, respondeu. A gama disponibilizada no La Popote vai dos 14 SDT na água mineral com gás Lauretana, vinda de Itália, aos 3.300 SDT na Vichy Celastins, vinda de França. A do Vidago tem 3.000 TDS. Rawls diz que a água francesa tem um sabor salgado no início, portanto, deve-se beber a acompanhar algo salgado, como o presunto de Parma, pois acabam por equilibrar-se.
A forma como a água é servida é também é importante. O sommelier recomenda que seja bebida à temperatura ambiente com gelo e uma rodela de limão. “A água é como o vinho — se estiver muito fria, perde todo o sabor.”
O restaurante Lar do Leiton, em Ourense, na Galiza, foi um dos primeiros restaurantes a adoptar uma carta de águas, que ainda mantém, sendo a mais extensa do mundo com 150 referências. Em Roma, o três estrelas Michelin La Pergola, do chef Heinz Beck, tem uma carta com 55. Recentemente, foi a vez de Patrick O’Connell, chef e proprietário do Inn at Little Washington (três estrelas Michelin e uma estrela verde), na Virgínia, Estados Unidos da América, introduzir um menu de águas.