A volta da coqueluche – infecção respiratória causada pela bactéria Bordetella pertussis e que provoca tosse intensa – nas Américas tem preocupado a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo a Opas, a situação começou a chamar a atenção em 2023, quando 4.139 casos foram notificados na região. Em 2024, o número disparou e chegou a 43.751.

A alta persiste neste ano. Só nos primeiros sete meses, de acordo com o último alerta da entidade, publicado no final de agosto, nove países registraram mais de 18.595 casos e 128 mortes.

O Estadão buscou o Ministério da Saúde para entender a situação brasileira nesse cenário. De janeiro deste ano até o início de setembro, de acordo com a pasta, foram registrados 2.173 casos e sete óbitos pela doença.

Em São Paulo, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (SES-SP), neste ano foram confirmados 418 casos e duas mortes. Na capital, ocorreram 124 casos, sem registro de óbitos, segundo a pasta municipal (SMS-SP).

Especialistas brasileiros avaliam que os números acendem um alerta. “Não estamos diante de um colapso, mas o aumento é significativo e merece vigilância próxima”, resume o infectologista Alexandre Naime, chefe do Departamento de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

A principal forma de prevenção contra a doença é a imunização, de acordo com o Ministério da Saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece as vacinas pentavalente e DTP (tríplice bacteriana de células inteiras) para:

  • Crianças de até 6 anos, 11 meses e 29 dias;
  • Gestantes (a cada gestação);
  • Profissionais de saúde e parteiras tradicionais;
  • Estagiários da área da saúde que atendem recém-nascidos.

Marca da doença são crises de tosse seca intensas e repetitivas Foto: Krakenimages.com/Adobe Stock

O que é a coqueluche?

A marca da doença, segundo Naime, são crises de tosse seca intensas e repetitivas. “Muitas vezes seguidas por um esforço inspiratório característico, o ‘guincho’, principalmente em crianças pequenas.”

A maioria das pessoas consegue se recuperar da coqueluche sem sequelas e maiores complicações, porém, formas mais graves podem ocorrer, de acordo com o Ministério da Saúde.

A pasta destaca que alguns grupos são mais suscetíveis ao agravamento do quadro. Entre eles, estão: bebês menores de 1 ano, sobretudo aqueles com até 6 meses; indivíduos imunocomprometidos; e pessoas com asma moderada ou grave.

O infectologista Marcelo Otsuka, presidente do departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo e do Comitê Materno-Infantil da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explica que as complicações podem se originar justamente das repetitivas crises de tosse.

“Por exemplo, (pode acontecer) comprometimento no sistema nervoso por conta da pressão exercida pelo excesso da tosse; pneumotórax, que é quando o ar vai para a pleura (membrana fina que reveste os pulmões, o que dificulta a expansão completa do órgão); além de insuficiência respiratória e até comprometimento cardíaco”, descreve.

“Não é uma doença tão simples, especialmente para crianças pequenas”, reforça.

Coqueluche de volta ao Brasil

A coqueluche já foi problema importante de saúde pública no Brasil. No início da década de 1980, mais de 40 mil casos eram notificados por ano.

A introdução e ampliação da vacinação, a partir dos anos 1990, levaram a uma queda expressiva nos casos. Aumentos episódicos ocorreram em alguns anos, mas nada comparado ao registrado a partir de 2023.

Para ter ideia, em 2023, foram confirmados 216 casos. No ano passado, porém, esse número saltou para 7.551 casos, com 21 óbitos.

Outros países da região das Américas viram aumentos semelhantes. A Opas atribui o ressurgimento da doença à queda nas taxas de vacinação.

Os especialistas lembram também que a coqueluche é uma doença “cíclica” — esperam-se ondas a cada três ou cinco anos, devido a fatores biológicos, como a adaptação da bactéria —, mas eles frisam que a atual cobertura vacinal do Brasil e de outros países das Américas agravam o cenário.

A cobertura vacinal brasileira apresentou melhora recente, mas ainda está abaixo da meta de 95%. Em 2023, a cobertura da vacina pentavalente, aplicada no primeiro ano de vida, foi de 87,5%, subindo para 89,9% em 2024, segundo o Ministério da Saúde. No caso da DTP, destinada ao primeiro reforço, os índices foram ainda menores: 79,8% em 2023, e 86,2% em 2024.

O Brasil enfrentou uma queda de coberturas vacinais de vários tipos de imunizantes a partir de 2015. Só recentemente as taxas voltaram a subir, porém, Otsuka destaca que essa melhora se refere à vacinação de crianças, enquanto ainda há um déficit vacinal importante entre os adolescentes.

No contexto da coqueluche, é justamente aí que está uma parte significativa do problema: atualmente, o maior número de casos tem acontecido em adolescentes, que não foram vacinados na infância, segundo ele.

Tratamento ameaçado

A coqueluche é uma doença que pode ser tratada com antibióticos. Mas esse tratamento considerado padrão, de acordo com a Opas, vem sendo ameaçado por cepas resistentes da bactéria causadora da doença — isto é, que não respondem mais aos medicamentos normalmente usados.

Essa resistência prejudica não só o tratamento, mas a capacidade do sistema de saúde de controlar surtos. Isso porque os antibióticos também fazem parte da chamada estratégia de quimioprofilaxia pós-exposição (QPE) — ela é indicada para contatos próximos considerados prioritários, visando prevenir a transmissão para grupos vulneráveis, como bebês.

A Opas associa o surgimento da resistência ao uso generalizado e inadequado de antibióticos ao longo da pandemia de covid-19. Especialistas têm alertado para o que chamam de uma pandemia silenciosa de resistência antimicrobiana.

Ao Estadão, o Ministério da Saúde disse não ter detectado casos de coqueluche resistentes a antibióticos neste ano.

No entanto, o infectologista Rodrigo Lins, presidente da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro, avalia que é “completamente possível” que o fenômeno de resistência esteja presente no Brasil e apenas não tenha sido documentado. Isso porque o sistema de notificações de doenças e de detecção de resistência é considerado limitado fora dos grandes centros do País.

“No mundo de hoje, as barreiras geográficas não impedem a transmissão de doenças infecciosas, como vimos com a monkeypox, a covid-19 e o sarampo”, afirma.

Os números do surto atual de coqueluche no Brasil já preocupam, mas, se a resistência se confirmar no País, o problema pode se tornar ainda mais sério, concluem os especialistas.