O que conta não é só o peso na balança, logo confiar apenas no IMC pode ser enganador. A gordura corporal mostrou ser um indicador muito mais fiável do verdadeiro risco para a saúde. Descubra porquê

Quando se trata de medir o peso, o IMC é o acrónimo que todos adoram odiar. Os profissionais de saúde recorrem há muito ao índice de massa corporal como uma ferramenta rápida de rastreio, que permite identificar de imediato determinados doentes para um plano de intervenção de “código vermelho” – pessoas cujo peso as coloca em risco de vir a ter problemas de saúde.

O problema é que o IMC avalia o risco para a saúde calculando altura e peso. No entanto, músculo e osso pesam mais do que gordura, pelo que as medições do IMC podem sobrestimar o perigo em pessoas com uma constituição muscular ou estrutura corporal maior. Pelo contrário, o IMC pode subestimar riscos em adultos mais velhos e em quem perdeu massa muscular, segundo a Escola de Saúde Pública Harvard T.H. Chan, em Boston.

Agora, os autores de um estudo afirmam que uma abordagem diferente pode ser mais precisa na previsão de futuros problemas de saúde. A análise de bioimpedância elétrica, ou BIA, utiliza correntes elétricas impercetíveis para medir não só a percentagem de gordura corporal, mas também a massa muscular magra e o peso em água.

A tecnologia funciona assim: a pessoa fica de pé sobre placas metálicas da máquina enquanto segura com as mãos ou polegares outro acessório metálico afastado do corpo. Assim que inicia, a máquina envia uma corrente elétrica fraca através do organismo. Como a gordura, o músculo e o osso têm diferentes condutividades elétricas, a máquina utiliza algoritmos para determinar a massa muscular magra, a percentagem de gordura corporal e o peso em água.

Nesta máquina de análise de bioimpedância elétrica é enviada uma ligeira corrente através do corpo, a partir dos pés e dos polegares. (Shannon Helfman)

Nesta máquina de análise de bioimpedância elétrica é enviada uma ligeira corrente através do corpo, a partir dos pés e dos polegares. (Shannon Helfman)

“Concluímos que a percentagem de gordura corporal é um indicador mais forte do risco de mortalidade a 15 anos em adultos entre os 20 e os 49 anos do que o IMC”, diz Arch Mainous III, autor principal do estudo publicado na revista Annals of Family Medicine.

No que diz respeito a mortes por doenças cardíacas, as pessoas com elevada gordura corporal medida por BIA tinham 262% mais probabilidade de morrer do que aquelas com percentagens saudáveis de gordura, afirma Mainous, professor e vice-presidente de investigação em saúde comunitária e medicina familiar na Faculdade de Medicina da Universidade da Florida.

“Importa lembrar que, ao usar o IMC, não se assinalava qualquer risco nesta população mais jovem, que normalmente não consideramos estar em alto risco de doença cardíaca”, aponta o autor sénior, Frank Orlando, professor associado clínico de saúde comunitária e medicina familiar na University of Florida Health.

“Devemos pensar nas intervenções que podemos fazer para os manter saudáveis quando sabemos isto cedo. Creio que é uma mudança de paradigma na forma como devemos olhar para a composição corporal”, acrescenta Orlando.

O problema do IMC

O IMC é calculado dividindo o peso pela altura ao quadrado. (Se não for grande coisa a matemática como eu, os Institutos Nacionais de Saúde disponibilizam uma calculadora gratuita.)

No mundo do IMC, um índice entre 18,5 e 24,9 é considerado peso saudável, entre 25 e 29,9 é excesso de peso, entre 30 e 34,9 é obesidade, entre 35 e 39,9 é obesidade de classe 2 e acima de 40 é “obesidade grave” ou de classe 3. Pessoas com IMC abaixo de 18,5 são consideradas abaixo do peso.

Utilizar o IMC para medir risco de saúde funciona – à escala populacional. Inúmeros estudos mostraram que um IMC mais elevado está realmente associado ao desenvolvimento de doenças crónicas de vários tipos – cancro, doenças cardíacas, diabetes tipo 2, doenças renais e hepáticas, entre outras.

O IMC falha quando aplicado a casos individuais. Imagine-se um doente “falso magro” – aparentemente magro por fora, mas com acumulações de gordura em torno de órgãos vitais no interior. O IMC estaria dentro dos valores normais, embora a saúde estivesse em risco.

Embora a medida da circunferência da cintura seja uma ferramenta melhor do que o IMC, não é tão precisa como a análise de bioimpedância elétrica (Ralf Geithe/iStockphoto/Getty Images)

Embora a medida da circunferência da cintura seja uma ferramenta melhor do que o IMC, não é tão precisa como a análise de bioimpedância elétrica (Ralf Geithe/iStockphoto/Getty Images)

“Essas pessoas têm maior probabilidade de sofrer de acumulação de gordura no fígado (doença hepática não alcoólica), ter níveis elevados de glucose, tensão arterial alta e inflamação generalizada”, aponta Mainous.

Todos estes problemas de saúde podem ser tratados, travados e, em alguns casos, até revertidos se forem detetados atempadamente, acrescenta.

Embora os médicos estejam cientes das limitações do IMC, muitos preferem usá-lo “porque é barato e fácil de aplicar”, diz Mainous. “Gostariam de usar medições mais diretas, como a densitometria DEXA, mas estas são caras e pouco acessíveis, por isso acaba-se por recorrer ao IMC.”

DEXA significa absorciometria de dupla energia por raios X e é considerado o exame de referência na análise da composição corporal. Estas máquinas podem custar entre 45 mil e 80 mil dólares (cerca de 42 mil a 75 mil euros), pelo que os doentes normalmente têm de se deslocar a hospitais ou centros especializados. O custo para o paciente pode facilmente chegar aos 400 ou 500 dólares (cerca de 370 a 460 euros) por exame, explica Orlando.

“No entanto, verificámos que as versões mais recentes da bioimpedância elétrica são bastante precisas, fornecendo resultados válidos e fiáveis”, afirma Orlando.

Uma nota importante – os produtos de bioimpedância de uso doméstico não são tão rigorosos, alerta Andrew Freeman, diretor de prevenção cardiovascular e bem-estar no National Jewish Health, em Denver.

“Podem ser muito influenciados pela quantidade de fluidos no corpo, pelo nível de hidratação”, aponta Freeman, que não participou no estudo. “As medições em casa dão apenas uma estimativa aproximada – as máquinas de clínica são mais precisas.”

Está na altura de os médicos adotarem a medição da gordura corporal?

O estudo analisou dados de 4.252 homens e mulheres que participaram entre 1999 e 2004 no inquérito federal NHANES, National Health and Nutrition Examination Survey, uma avaliação anual da saúde da população.

Os técnicos mediram a composição corporal de cada pessoa, incluindo altura, peso e perímetro da cintura. Além disso, todos os participantes realizaram uma análise de bioimpedância elétrica em clínica, que mede a resistência do corpo às correntes elétricas.

Os investigadores compararam depois esses dados com o Índice Nacional de Mortes até 2019, para verificar quantas pessoas tinham morrido. Após ajustamento por idade, raça e condição económica, o estudo concluiu que ter um IMC classificado como obesidade não estava associado a um risco estatisticamente significativo de morte por qualquer causa, quando comparado com pessoas na faixa de IMC saudável.

Já pessoas com elevada gordura corporal, medida por bioimpedância, tinham 78% mais probabilidade de morrer por qualquer causa, afirma Mainous. Medir o perímetro da cintura também se revelou útil, mas menos preciso do que avaliar a massa corporal.

Somando a isso a probabilidade 262% maior de morrer de doença cardíaca identificada no estudo, torna-se evidente para os médicos a utilidade da bioimpedância elétrica na avaliação dos doentes, considera Orlando.

“Não há como negar: o risco que este estudo revela é enorme”, diz Freeman. “É assustador pensar que podemos ter estado a usar durante anos um indicador indireto – o IMC –  que afinal pode não ter sido assim tão fiável.”

O estudo mostra como medições mais rigorosas do peso podem facilmente transformar-se em medicina personalizada, acrescenta Freeman.

“Imagine que vai à consulta médica”, exemplifica. “O médico dá-lhe a percentagem de gordura corporal e uma avaliação de risco individualizada. Fala-lhe sobre exercício e outras mudanças de estilo de vida e encaminha-o para um nutricionista.”

“Dava-lhe a oportunidade de fazer essas mudanças e, se fosse preciso, apoiava-o com medicação. Se a classe médica fizesse isto e conseguisse salvar muito mais vidas, seria extraordinário.”