O Supremo Tribunal dos Estados Unidos revogou, nesta segunda-feira, uma suspensão imposta por uma juíza federal a rusgas anti-imigração no Sul da Califórnia durante as quais têm sido abordadas e detidas pessoas cuja etnia, cor da pele ou sotaque foram consideradas motivo suficiente de suspeita de permanência ilegal no país.

“A aparente etnia não pode por si só dar corpo a uma suspeita razoável”, declarou o juiz conservador Brett Kavanaugh, um dos seis a votar favoravelmente a decisão, mas pode ser considerada “factor relevante quando considerada em conjunto com outros factores salientes”.

Por seu turno, e na sua declaração de dissenso, a magistrada liberal Sonia Sotomayor afirma que com este veredicto se “declarou que todos os latinos, sejam cidadãos norte-americanos ou não, que tenham profissões pouco remuneradas são alvos legítimos para serem detidos a qualquer altura, levados dos seus postos de trabalho e mantidos sob detenção até que possam comprovar o seu estatuto legal”.

“Em vez de assistir impávida ao desaparecimento das nossas liberdades constitucionais, voto vencida”, declarou Sotomayor, a primeira juíza hispânica do Supremo e uma das três magistradas nomeadas por administrações democratas para a mais alta instância judicial norte-americana. Uma vez mais, a distribuição dos votos coincidiu com a tendência liberal ou conservadora dos juízes, a maioria dos quais (seis em nove) foram nomeados por administrações republicanas.

Detidos pela cor da pele

Em causa estava uma suspensão, decretada a 11 de Julho pela juíza federal de Los Angeles, Maame Frimpong, dos raides de agentes federais norte-americanos, nomeadamente do ICE, a polícia de estrangeiros e fronteiras, no Sul da Califórnia. Na altura, a magistrada deu razão a uma queixa perante a actuação das autoridades, que visavam deliberadamente pessoas de aparência hispânica, falantes de castelhano, ou que falassem o inglês com sotaque, considerando-as suspeitas de imigração ilegal.

Diversos cidadãos norte-americanos e imigrantes devidamente regularizados foram detidos nas rusgas, que decorreram sobretudo em bairros de Los Angeles de maioria hispânica e em empresas e estabelecimentos habitualmente frequentados por latinos.

Vários dos cidadãos e imigrantes abordados e detidos, posteriormente libertados após apresentarem a sua documentação, apresentaram a referida queixa junto da justiça federal, descrevendo a conduta das autoridades como uma série de “raptos à luz do dia”, contrária às garantias expressas na Quarta Emenda da Constituição dos EUA, que proíbe buscas, apreensões e detenções sem justificação razoável. Frimpong proibiu expressamente os agentes federais de considerarem a etnia, a língua, a presença num determinado local ou o desempenho de uma dada profissão para presumir a suspeita de permanência irregular no país.


As operações policiais suscitaram uma vaga de protestos em Los Angeles que, por sua vez, levaram a Administração Trump a mobilizar milhares de militares da Guarda Nacional e 700 fuzileiros para a metrópole fortemente hispânica. A intervenção militar abriu um mediático conflito político entre o governador democrata da Califórnia, Gavin Newsom, que a considerou injustificada, e o Presidente Donald Trump.

O Departamento de Justiça recorreu na altura da decisão de Frimpong, dando agora o Supremo razão à Administração Trump e considerando que a etnia e o sotaque podem ser considerados como factores de um quadro mais alargado de suspeita. “Se os agentes apurarem que o indivíduo que abordaram é um cidadão norte-americano, ou que está de outro modo de forma legal nos EUA, eles imediatamente deixam-no seguir caminho”, considerou Kavanaugh.

A decisão desta segunda-feira representa uma importante caução da mais alta instância da justiça norte-americana à ofensiva anti-imigração da Administração Trump, nos últimos dias marcada pela detenção de centenas de trabalhadores sul-coreanos de uma fábrica da Hyundai no estado da Georgia.