Ao fim de várias semanas de deportações de imigrantes, a detenção de centenas de trabalhadores sul-coreanos de uma fábrica da Hyundai no estado da Geórgia fez com que Donald Trump desse os primeiros sinais de estar preocupado com o impacto que a sua política de imigração pode ter no objectivo de trazer de volta a produção industrial perdida ao país.

Na passada quinta-feira, uma operação das autoridades norte-americanas levou à detenção de 475 trabalhadores imigrantes de uma fábrica onde a Hyundai, em conjunto com a também coreana LG Energy Solution, fabrica baterias destinadas essencialmente ao mercado norte-americano. Foi a maior operação do género e constitui, para o projecto sul-coreano, um obstáculo muito significativo para a continuação da operação em condições normais.

A administração Trump tem como foco essencial da sua estratégia económica o regresso para os EUA da capacidade industrial perdida ao longo das últimas décadas. Para atingir esse objectivo, tem vindo, principalmente pela imposição de tarifas acentuadas às importações, a tentar criar estímulos para que empresas norte-americanas e de outros países desloquem as suas unidades de produção para território norte-americano.

Os estados também têm vindo a oferecer os seus próprios incentivos e, no caso da Geórgia, tem sido possível atrair investimento proveniente da Coreia do Sul, que se estima poder atingir os 22 mil milhões de dólares (cerca de 20 mil milhões de euros) nos próximos anos.

A falta de mão-de-obra qualificada nos EUA para pôr, de forma rápida, essas fábricas em funcionamento é, contudo, um dos principais entraves que se colocam ao sucesso da estratégia da Casa Branca. Algo que ainda fica mais difícil de solucionar pelo facto de, ao mesmo tempo, a administração Trump estar também a pôr em prática uma estratégia de redução brusca do número de imigrantes no país.

Se até agora as deportações de imigrantes considerados ilegais afectava sobretudo a actividade de empresas de pequena e média dimensão, o caso da Hyundai veio tornar ainda mais evidente o potencial conflito das duas estratégias políticas seguidas por Donald Trump.

E este domingo à noite, o próprio Presidente norte-americano deu sinais de ter percebido isso. Em declarações aos jornalistas, Donald Trump começou por elogiar as detenções de imigrantes feitas pelas autoridades fronteiriças norte-americanas, dizendo que os trabalhadores da Hyundai “estavam (nos EUA) ilegalmente”.

No entanto, passadas poucas horas, fez questão de transmitir na plataforma Truth Social algumas mensagens às empresas que investem nos EUA e que precisam destes trabalhadores para lançarem as suas operações no país. “Os vossos investimentos são bem-vindos, e encorajamos-vos a trazerem legalmente as vossas pessoas muito espertas, com um talento técnico muito grande, para produzirem produtos de classe mundial, e muito rapidamente faremos com que tal vos seja possível”, afirmou Trump, dando a entender que alguma nova medida irá ser tomada pela Casa Branca para facilitar a entrada de imigrantes para as empresas internacionais que invistam nos EUA.

O Presidente norte-americano já tinha também improvisado imediatamente, assim que falou como os jornalistas, uma nova estratégia para resolver os problemas de falta de mão-de-obra qualificada nos EUA: “Temos de encontrar uma solução em que trazemos especialistas para que as pessoas possam ser formadas e possam fazer as coisas por si só. Isto faz sentido?”, questionou, dando depois o exemplo da Hyundai. “Quando estão a fabricar baterias, se não há no país neste momento pessoas que saibam como são feitas, talvez tenhamos que as ajudar e deixar entrar pessoas que as possam treinar a fazer coisas complexas”, afirmou.

No caso específico da Coreia do Sul parecem estar já a ser dados passos para resolver o problema criado com a detenção dos trabalhadores da Hyundai. O ministro dos Negócios Estrangeiros coreano deverá estar a caminho dos EUA para se encontrar com o seu homólogo americano e discutir a questão dos vistos de trabalho.

Em Julho, a Coreia do Sul tinha sido um dos países a chegar a um entendimento com a Administração Trump para a aplicação pelos EUA de tarifas sobre as importações de 15%, um valor mais baixo do que inicialmente imposto pela Casa Branca.

Ainda assim, uma eventual resolução do problema criado pela política de imigração restritiva às grandes empresas que pretendem investir nos EUA não elimina todos os impactos negativos que uma deportação em massa de imigrantes pode ter na economia norte-americana.

Diversos analistas têm vindo a alertar para o efeito negativo que se pode vir a sentir no crescimento do consumo, no aumento dos custos laborais e na capacidade de investimento das empresas, para além das consequências de longo prazo relacionadas com o envelhecimento da população.