A Comissão Europeia vai propor a suspensão parcial do Acordo de Associação da União Europeia com Israel, “no que diz respeito às questões comerciais”, bem como sanções individuais contra os “ministros extremistas” do Governo israelita e os “colonos violentos” na Cisjordânia, anunciou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no seu discurso sobre o estado da União Europeia, esta quarta-feira, no Parlamento Europeu de Estrasburgo.
“Estou ciente de que será difícil obter maiorias” para a aprovação destas medidas, reconheceu a líder do executivo comunitário, que depois de meses de críticas à inacção da UE face à catástrofe humanitária na Faixa de Gaza, deixou um apelo aos Estados-membros. “Não podemos dar-nos ao luxo de ficar paralisados. Devemos todos assumir as nossas responsabilidades: o Parlamento, o Conselho e a Comissão”, afirmou.
“Custa-me dizer estas palavras”, confessou Ursula von der Leyen, descrevendo a situação em Gaza como “simplesmente catastrófica” e as acções do Governo israelita como “simplesmente inaceitáveis”. “A fome provocada pelo homem nunca pode ser uma arma de guerra. Pelas crianças, pela humanidade, isto tem de acabar”, declarou a presidente da Comissão Europeia, que viu metade dos eurodeputados vestidos de vermelho numa manifestação silenciosa pela população de Gaza.
“O que está a acontecer em Gaza abala a consciência do mundo”, disse Von der Leyen, que reclamou “acesso irrestrito a toda a ajuda humanitária” ao enclave palestiniano, bem como “um cessar-fogo imediato” e a libertação imediata de todos os reféns mantidos pelo Hamas há mais de 700 dias.
A presidente da Comissão Europeia estava debaixo de fogo por causa do seu silêncio face à destruição de Gaza, acusada de ter um duplo critério relativamente ao respeito pela lei internacional no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. No seu discurso sobre o estado da União Europeia (ou SOTEU, como ficou conhecido, pela sigla em inglês), esforçou-se por sacudir essa imagem – e demonstrar que não é indiferente à situação.
“Muitos cidadãos perguntam-se até que ponto a situação terá de piorar para que haja uma resposta unânime. Sei que para eles a incapacidade da Europa de chegar a acordo sobre um caminho comum a seguir também é dolorosa. Compreendo-os”, referiu, sacudindo a pressão de Bruxelas para as capitais (mais à frente no seu discurso, defendeu que nas matérias de política externa, a UE devia “libertar-se das amarras da unanimidade” e “passar para a maioria qualificada”, uma ideia que desagrada aos Estados-membros mais pequenos).
Além das novas propostas que terão de ser aprovadas por unanimidade pelo Conselho da UE, Von der Leyen disse que o executivo comunitário vai suspender o seu apoio bilateral a Israel, cessando temporariamente “todos os pagamentos nestas áreas, sem afectar o nosso trabalho com a sociedade civil ou com o [centro memorial do Holocausto] Yad Vashem”, anunciou.
E num “esforço internacional com parceiros regionais”, vai criar um novo Grupo de Doadores para a Palestina, que financiará um “instrumento específico para a reconstrução de Gaza”.
Ursula von der Leyen lembrou que é “uma amiga de longa data do povo de Israel”, mas carregou nas críticas ao comportamento do Governo israelita, sem nunca mencionar o nome do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. As “acções” e “declarações” de vários membros do Governo “apontam para uma clara tentativa de minar a visão de um Estado palestiniano viável”, lamentou.
“Não podemos permitir que isso aconteça”, disse, recordando que “o objectivo da Europa foi sempre o mesmo: segurança real para Israel e um presente e futuro seguros para todos os palestinianos”. “O único plano de paz realista é aquele baseado em dois Estados, vivendo lado a lado em paz e segurança”, insistiu.